sexta-feira, julho 14, 2006

Surrealismo no Centro do Rio

Palácio Tiradentes, Rio de Janeiro. Meu caminho para o trabalho é relaxante, não posso negar. O Centro do Rio ainda deslumbra os olhares mais atentos. A narrativa que segue é verdadeira, aconteceu comigo.

Outro dia parti da praça XV, passei entre o Paço Imperial (palco do Dia do Fico e da assinatura da Lei Áurea, hoje é um centro cultural) e o Palácio Tiradentes ("memória do parlamento brasileiro", hoje, bem, deixa pra lá), pela Rua da Assembléia, para chegar à Rua São José. Saí um pouco do trajeto, mas foi uma volta bonita. Era cedo e as pessoas ainda não tinham emporcalhado as ruas. Minha primeira surpresa foi encontrar, mais ou menos em frente ao McDonald's, do outro lado da ruela, na praça, um sujeito alto, gordo, provavelmente com menos de trinta anos, vestindo uma camiseta curta, bermuda e chinelos, produzindo tanto óleo através dos poros da face, que seria possível pensar seriamente em um processo produtivo para biodiesel em escala nacional. Não, nada disso me surpreendeu. O interessante é que ele estava, com um reluzente violino, tocando trechos de Dvořák e Albinoni, que impregnaram minha alma com uma esperança de que todo mal um dia seria convertido em bem. É, pela manhã sempre estou suscetível a uma introspecção profunda. Às vezes chego a cair no sono novamente.

Deixei 1,00 R$/min no case do nosso gênio romântico-barroco, e segui adiante. Atravessei a Avenida Rio Branco em um golpe de sorte do sinal, sem pistas do que ainda estava por vir. O fato é que, em pleno Largo da Carioca, sete pessoas observavam com ar de nostalgia dois argentinos tocando "Adiós Nonino", violão e bandoneón. A essa altura eu já me sentia como se tivesse uma dose de prozac circulando em minhas veias. Na verdade, os caras tinham cara de argentinos, não posso garantir. Como havia me precipitado deixando todo o trocado para o gordo, e convicto de que pegar o troco para R$ 50,00 em centenas de moedas seria uma maluquice, inventei uma louca teoria de compensação intertemporal de boas intenções, e continuei feliz ao som de Piazzolla.

No entanto, segundos depois, reparei que uma senhora tentava descobrir que livro eu carregava na mão esquerda. Escondi, para que ela não me julgasse mal. De repente, a velhinha começou a gritar descontroladamente, com a dicção prejudicada pelo movimento que o ar vindo de seus pulmões fazia ao redor de seu único dente:
- Xeu merda! Xeu merda!
Pensei que tudo estivesse acabado. Pensei em reivindicar meu dia perfeito, em dialogar com a senhora, explicar que o livro era contrário às minhas idéias, mas que era preciso conhecê-lo para combater seus princípios equivocados...
- Me dexculpe meu filho, eu não xou de falar palavrão, maix pótaqueopariu, exe garotinho é um merda mexmo!
A senhora tinha confundido o candidato Sérgio Cabral, que passava atrás de mim com seus caudatários, com o outro. A política estragou o meu dia, mais uma vez.

2 comentários:

Anônimo disse...

Um início de dia bem animado!
Não vamos mais deixar que a política estrague momentos como esse, ela, junto com a violência tem tirado nossa paz e confiança no próximo. Por conta disso, ando meio sem paciência com o ser humano.Concordo com a tia Sarita, acho que está na hora de você chegar para transformar...o Brasil!
Beijos. Amamos você.
Dani e Isadora

Anônimo disse...

Oi Dani, adorei a sua colocação.Beijinhos na Isadora.
Gabriel,você escreve realmente muito bem,não conhecia esse seu lado de escritor.
Todos estão de parabéns.
Bjs nas meninas.