domingo, dezembro 31, 2006

Feliz Ano Novo

Sr. e Sra. Filártiga

Desejo um excelente 2007 para você e para sua família.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Queiroz, Helprin, Fraser & Silva

O tema do almoço, dia desses, foi a escolha de um livro muito bom que nos fizesse rir em voz alta. Não bastava ser engraçado, era preciso ser um primor da literatura. Eu estava interessado em definir minha lista de férias, e acabei convencido por Sir Carlinhos a incluir A Relíquia, de Eça de Queiroz.

Logo depois o Lord Alexandre Soares Silva riu alto, corrompido pelo entusiasmo, e indicou Freddy and Fredericka, de Mark Helprin, e Flashman, do George MacDonald Fraser. Fraser havia sido lembrado naquele almoço, mas descartamos obras sem tradução, o que foi uma grande bobagem.

Agora quero uma espreguiçadeira, com a brisa morna do verão litorâneo, e a família reunida para um banquete de Natal.

sábado, dezembro 16, 2006

Virtudes privadas, benefícios públicos.

Há quem condene a concorrência, alegando que ela provoca os vícios humanos. Mas somos vulcões e nossas paixões são lavas incandescentes. Nossos vícios já estão acesos, e qualquer coisa é capaz de alimentar seu fogo.

É facílimo encontrar o que provoque nossos vícios, o mais interessante é descobrir aquilo que desperta nossas virtudes. Pois digo que a mesma concorrência pode engendrar lealdade e nobreza. Se desejarmos vencer um adversário em dado momento, será contra nossos limites e receios que lutaremos no instante seguinte. É quando experimentamos um estágio de auto-superação, como nos duelos entre homens nobres. Antes de subjugar o adversário, precisamos exercitar nossas virtudes e dominar nossos vícios.

sábado, dezembro 09, 2006

Sobre o futuro

Acabar com as fraudes é obrigação do Estado. Não me venham com a ladainha de que essa é a solução para o problema da Previdência, com um pouco mais de crescimento econômico. O déficit é muito maior, precisamos tocar no assunto.

Um eficaz método para resolver problemas é a sua divisão em componentes menores. Como seria, por exemplo, se separássemos as contas da Previdência e da Assistência Social. Essa foi mais uma confusão criada em 1988.

O neo-socialismo

A essa altura de dezembro, acho que já posso classificar esse como o pior artigo do ano. Cada parágrafo merece uma refutação, mas vou me ater apenas aos pontos que considero dissimulados, porque também eu já fui vítima desse estelionato cultural. E vou economizar nas aspas, apenas por um capricho estético. Se você já leu o artigo, vamos adiante.

Não acho certo fazer parecer que a esquerda latino-americana possui uma grande diversidade de idéias e tendências enquanto, na verdade, ela se resume à "luta contra o imperialismo neoliberal globalizante". A diversidade está na liberdade de expressão, no pensamento não dogmático, na valorização do debate aberto. O que não me parece ser uma descrição desse novo socialismo.

E não é porque os novos socialistas foram eleitos democraticamente, que a liberdade política vai se tornar um valor. Hitler chegou ao poder através de um processo democrático. Acontece que a democracia é uma conquista, que precisa ser defendida e aprimorada. E não existe um nível tal de maturidade que garanta sua permanência. Ela é frágil e dependente, pois não suporta pressões intervencionistas e necessita do respaldo da liberdade individual, como valor. Ela não sobrevive ao socialismo, seja novo ou velho.

Por isso, é capcioso classificar as ditaduras latino-americanas como de direita, assim como acreditar que vivemos uma década de governos neoliberais. Fosse isto verdade, estaríamos mais para o Chile, Nova Zelândia e Irlanda, do que para Venezuela, Bolívia e Haiti.

Finalmente, volto aos conceitos. Populismo não é um jargão. É o abuso da dominação pelo carisma, quando sobrepuja as instituições e quebra contratos, estabelecendo uma relação direta com o povo, convertido em massa de manobra.

Apesar de o artigo ter provocado meu espírito liberal, o autor é até bastante compreensivo:

“É perfeitamente compreensível que alguns não gostem do que está acontecendo.”

Eu não gosto do que está acontecendo.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Rentistas safados

Está nos jornais que os "rentistas" deixam de realizar investimentos produtivos para especular no mercado financeiro. Será?

O termo "rentista", anglicismo de rent seeker, foi cunhado por Gordon Tullock, professor de Direito e Economia da Universidade George Mason e co-fundador da Teoria da Escolha Pública. Rent seeking é a busca por privilégios concedidos pelo Estado.

Se alguém está fazendo campanha política à espreita de um cargo de confiança, emprega parentes e amigos em instituições públicas e arruma esquemas para não pagar multas de trânsito, é um rentista. Ou se um empresário articula um lobby para proteger seu mercado através de uma "política industrial", e ainda faz doações em troca de favores: rentista safado.

Por outro lado, se você deixou de trocar de carro para comprar uns papéis da CVRD, emprestou mais um trocado para uma empresa de TI que abriu capital, e ainda ajudou o Tesouro Nacional a alongar a Dívida Pública comprando umas LTNs com vencimento em 2009, você não passa de um incurável e romântico nacionalista, sempre disposto a oferecer um pouco do seu suor para o desenvolvimento econômico de nossa grande e confusa nação.

terça-feira, novembro 28, 2006

Corrente Literária

Marcos Matamoros tem um sobrenome e tanto. Além do mais, ele me passou um desafio que recebeu de outro amigo, provavelmente porque acha que sou mais literato do que realmente sou. Portanto, eis três escritores que desisti de ler:

Senhora, de José de Alencar, foi o livro do qual desisti mais rápido. Até porque, por ser fino, qualquer suspiro seguido de determinação concluiria o trabalho. Apesar de ter sido uma decisão jovem e imatura, a trilogia indianista ainda não tem a menor chance comigo.

Umberto Eco também não me agradou. Me pareceu perdido entre arte e filosofia, literatura e semiótica. Abandonei os Seis passeios pelos bosques da ficção na primeira curva. O Nome da Rosa ficou pela metade. E o que é pior: gostei do filme.

O terceiro não faz prosa. Eu até li A Era dos extremos, o breve século XX, do Eric Hobsbawm, mas os outros séculos ficarão para trás mesmo. Já até escrevi sobre meus motivos aqui.

Valeu Matamoros?

segunda-feira, novembro 27, 2006

Mateus, capítulo 7, versículos 28 e 29.

"Aconteceu que, tendo Jesus acabado este discurso, estavam as multidões admiradas da sua doutrina, porque os ensinava como quem tinha autoridade, e não como os escribas e os fariseus".
As palavras têm asas, somente a autoridade do exemplo é incontroversa. Conhecer a vida dos autores de grandes clássicos da filosofia traduziu suas entrelinhas, revelou a medida de seus cinismos, e me fez reconhecer que ética e estética são duas faces da mesma moeda. Porque nossos valores devem tomar forma e contorno em nossa biografia.

sexta-feira, novembro 24, 2006

quinta-feira, novembro 23, 2006

"Por favor, a minha parte em dinheiro"

Em recente artigo publicado no Financial Times, Sir Michael Barber avalia que em todos os países desenvolvidos as pessoas querem usufruir de melhores serviços públicos, pagando menos impostos. Por isto, os governos enfrentam o imperativo desafio do ganho de produtividade.

O que me intrigou, na primeira leitura, foi a restrição aos países desenvolvidos. Não seria aquela uma assertiva para qualquer país? Parece que não. Brasileiros, por exemplo, não fazem da produtividade do setor público um imperativo, como sempre fica claro nas urnas. O tema da eficiência não tem apelo eleitoral por aqui. Preferimos nossa parte em dinheiro.

domingo, novembro 19, 2006

Revolução silenciosa

O comunicado final da Quarta Semana Social Brasileira, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reforça, pela culatra, a laicidade do Estado como princípio. O documento do seminário contém o pacote completo: trabalho de formação das bases, anulação do leilão da CVRD, auditoria da dívida externa (?), democracia direta, economia planificada, terra, etc.

A última proposta foi declarada de uma forma inexeqüível: "dar atenção a todo tipo de novos atores sociais que vão surgindo". Se são novos, é porque estão surgindo. Se atuam, existem. Fazem parte de nossa sociedade e são, portanto, sociais. Se a atenção deve ser dada "a todo tipo", entendo que todos devem ser monitorados, um por um. Trabalho para Hércules, já que o ecumenismo também está na ordem do dia. Escorregadas lingüísticas assim me fazem lembrar de um cartaz empunhado pelo PSOL com a frase "pela mudança, sempre". Como assim? E se estiver bom, também muda?

Apesar da forma, o conteúdo é massificado e está ficando perigoso.

sábado, novembro 18, 2006

Amenidades? Oscar Wilde

Ele não estaria no caderno de amenidades de um jornal do século XIX.

Oscar Wilde, by Monty Python:

- OSCAR: ' Your Majesty is like a dose of clap .'
- JAMES: ' Before you arrive is pleasure. And after, it’s a pain in the dark.'

***

Do verdadeiro Wilde, trecho de Salomé:

- SALOMÉ: '(...) a mim, a mim... Tu nunca viste. Se me houvesses visto, haver-me-ias amado. Eu, eu te vi, Iokanan, e te amei. Ah! Como te amei! Ainda te amo, Iokanan. Só amo a ti... Tenho sede da tua beleza. Tenho fome do teu corpo. E nem o vinho, nem as frutas podem saciar o meu desejo. Que farei agora, Iokanan? Nem os rios, nem as grandes águas poderiam apagar a minha paixão. Era princesa, tu me desdenhaste. Era virgem, tu me defloraste. Era casta, tu me encheste as veias de fogo... Ah! Ah! Por que não me olhaste, Iokanan? Se me houvesses olhado, haver-me-ias amado. Sei muito bem que me haverias amado, e o mistério do amor é maior do que o mistério da morte. Só para o amor se deve olhar.'

quinta-feira, novembro 16, 2006

Salomé e Herodes

Os partidos coligados não possuem qualquer constrangimento para cobrar pelos votos que consideram seus. Como Salomés dançando em troca de cabeças em badejas de prata.

E os partidos vencedores são como reis desabando em suas cadeiras. Na versão de Oscar Wilde, Salomé tem um fim trágico:

***
HERODES, desabando na cadeira
Ah! Por que dei a palavra? Os reis nunca devem dar a palavra. Se não a cumprem, é terrível. Se a cumprem, é por igual terrível.

***
Os soldados avançam e esmagam, sob os escudos, Salomé, filha de Herodíade, princesa da Judéia

sábado, novembro 11, 2006

Amenidades: Lenda Celta

Cauã era um grande garoto, com notas boas na escola e bom de pelada, mas sempre quis ter um nome mais comum. Um dia pediu outra coisa:
- Mãe, me leva ao Theatro Municipal? Vai rolar “A Cavalgada das Valquírias”, de Wagner. Não quero perder.
A mãe piscou quatro vezes. Ali surgiu seu tique nervoso. Foi falar com o pai.
- Psiu, o menino quer ver uma peça no teatro.
O pai soltou uma interjeição incomum, amassando o caderno de esportes, e perguntou com a boca mole:
- Quê?
- Ele quer assistir ao Wagner, no teatro.
O pai era daqueles que chutam sobre qualquer assunto:
- He, he, he. É Wagner Amadeus Mozart, minha filha. Aquele pianista que ficou surdo. Ou cego. Hi, hi, essa propaganda é muito boa. Que q’eu tava falando mesmo? Opa, x’eu fazer uma coisa que ninguém pode fazer por mim.
Levantou-se e começou a andar em direção ao banheiro. O pai também era daqueles que possuem raciocínios divergentes simultâneos.
Falou baixinho, apertando o passo:
- Se eu não levar esse moleque num puteiro ele vai virar veado.
Cauã continuou a baixar música erudita na internet, enquanto reclamava com uma irlandesa gatinha no MSN que andava meio tristão.

quinta-feira, novembro 09, 2006

All great things are simple

A Era dos Extremos, de Eric Hobsbawm, está em quase todas as bibliografias de cursos de História, Relações Internacionais, Economia, Ciência Política, ou onde quer que se refiram a Karl Marx como o "velho Marx". Logo no primeiro capítulo ele cai no materialismo histórico, dizendo que, em 1914, certamente não era a ideologia que dividia os beligerantes, e que o embate entre a democracia britânica e o absolutismo alemão, "ou coisas assim", tratava-se meramente da necessária mobilização da opinião pública. E, como não poderia deixar de ser, acaba citando Standard Oil, Deutsche Bank e De Beers.

Eu acho o seguinte:

terça-feira, outubro 31, 2006

Uma "estranha doutrina"

No Capítulo II do Segundo Tratado sobre o Governo Civil, John Locke (Inglaterra, 1632-1704) enuncia uma “estranha doutrina”, defendendo que todos têm o poder executivo da lei da natureza, ou seja, da lei da auto-preservação e da preservação de seus semelhantes, que não é abandonada por acordo, pacto ou contrato algum. Este enunciado antecipa o conceito de propriedade, pedra angular de seu pensamento.

Muito além do senso comum, a propriedade carrega os valores da vida, da liberdade e dos bens de cada indivíduo. A preservação destes valores é a razão pela qual os homens entram em sociedade e a finalidade do Estado constituído. Cada indivíduo delega racionalmente seu poder executivo a um poder comum, seu fiel depositário. Locke enfatiza a idéia de que o poder é delegado (trust), nunca transferido. Sendo o poder delegado e o dever de auto-preservação intransponível, qualquer transgressão ao encargo confiado é uma ameaça à propriedade, que legitima o rompimento do contrato por parte da sociedade, sem que - isto é importante – esteja em curso uma revolução ou golpe. A sociedade retoma o poder soberano com base na razão, sem “apelar para Deus como juiz”.

No Capítulo XIX Locke escreve que o Executivo “age também contra o encargo a ele confiado quando emprega força, o tesouro ou os cargos da sociedade para corromper os representantes e conquistá-los para seus propósitos”, deixando claro que não houve governo na história do Brasil que merecesse trust.

Lula reiterou sua legitimidade com as eleições, mas uma prova material de qualquer transgressão nos próximos quatro anos pode incitar a oposição a questioná-la. Em Dias de Platão em Caracas já discutimos os efeitos atrozes de uma aventura de 3º turno, mas pretendo retomar o tema no próximo post.

domingo, outubro 29, 2006

Três fundamentos da legitimidade

Existem em princípio três fundamentos da legitimidade, ou três formas de dominação política. A dominação carismática, exercida pelo demagogo, isenta de respaldo racional, com base na fé e na mitificação. A dominação legalista, fundada em regras estabelecidas a partir de um estatuto legal e de uma competência positiva, conforme vivemos no Estado contemporâneo. E a dominação tradicionalista, dos patriarcas, monarcas e senhores de terras, baseada nos hábitos, costumes e na autoridade da herança. Isto é Max Weber (Alemanha, 1864-1920), A Política como Vocação.

Lula é detentor de um impressionante domínio carismático, que sobrepuja as instituições, estabelecendo-se em uma relação direta com a população. Ele pode reiterar seu domínio político em razão da legalidade, através do pleito eleitoral. Espero que a liderança por tradição esteja fora de seu alcance, mesmo que na América Latina tudo pareça ser possível.

Aparentemente, Lula tem legitimidade com mais de 50% de aprovação do seu governo e, sobretudo, com a maioria dos votos. John Locke e eu questionaremos este raciocínio no próximo post, com uma “estranha doutrina”.

"Evidently not..."


Monty Python

domingo, outubro 22, 2006

Consensos dissimulados

A necessidade da redução dos gastos públicos virou mais um consenso dissimulado. Como quando terminamos satisfeitos um longo debate com a solução universal de todos os problemas: educação. Se um vagabundo rouba uma senhora, às duas da tarde, no lugar mais movimentado do Centro pensamos, magnânimos, que o coitado não teve oportunidade de estudar.

Reduzir as despesas correntes, com ganho de eficiência na gestão pública, é um fundamento tão importante hoje quanto o controle da inflação foi um dia. No entanto, para qualquer resultado das eleições, o cenário para a construção deste pilar está passando de "improvável" para "impossível".

sexta-feira, outubro 13, 2006

Sun Tzu x Maquiavel

Kim Jong-Il pratica a milenar Arte da Guerra de Sun Tzu. Esperou as reações às aventuras de líderes estudantis iranianos e latino-americanos e escolheu um momento preciso para fazer seu marketing. Um pouco de endomarketing, para a auto-estima das tropas do "Comandante Supremo da Luta contra o Imperialismo", um pouco de propaganda, para os clientes terroristas de sua indústria bélica, e uma tentativa de pedir algo ao mundo civilizado, talvez um financiamento em dólares, em troca de mais um período de sinistro silêncio oriental. Movimentos calculados para vencer sem combate.

Além do Taoísmo de Sun Tzu, a manobra nos faz entender o Zen-budismo de koans do tipo "quanto mais forte, mais fraco". No caso da Coréia do Norte, precisa parecer forte, porque é fraca. No caso dos EUA, feito Alexandre, o Grande, estão fracos porque suas forças estão espalhadas em diversas frentes de batalha pelo mundo.

Ainda assim, do lado de cá, alguém vai pensar seriamente na resposta militar. Passemos então a simular como pensaria quem tem o poder de decidir. Se não for por motivos humanistas ou cristãos, que seja priorizada a diplomacia por motivos estratégicos. Para Maquiavel, são condições que fazem valer uma conquista pelas armas:

1. Os homens gostam de mudar de senhor, se com isso puderem melhorar;
2. Tornar aliados os vizinhos mais fracos e defendê-los sem lhes aumentar o poder;
3. É sempre necessário o apoio dos habitantes , em alguma medida, para entrar em uma província;
4. Deve-se exterminar a família do antigo Príncipe, para que se conserve a conquista;
5. É preciso manter leis e impostos;
6. Residir no local conquistado;
6. Fundar colônias é melhor do que manter tropas.

Analise cada ponto você mesmo. E comente, é claro. Faz pensar sobre o Iraque, não é? Mas de volta à Coréia do Norte, mesmo que os itens 1 e 2 advoguem a favor, todos os demais vão contra uma eventual invasão.

Parece que se consolida uma vitória diplomática para George W. Bush. Ele se fortalece ao liderar uma importante reação, ao lado do Japão e da China, através das Nações Unidas, revertendo a ameaça em uma oportunidade de melhorar um pouco sua imagem diante da opinião pública internacional.

sábado, outubro 07, 2006

Jeitinho brasileiro

O recente relatório Bribe Payers Index (BPI) 2006, da Transparency International, conclui que empresas multinacionais recorrem mais ao suborno quando atuam em países pobres (Low Income Countries and Africa), e que as mesmas empresas apresentam conduta exemplar quando estão em países da OCDE.

Uma análise juvenil, típica de cursinho pré-vestibular, diria que se trata do domínio imperialista do grande capital predador sobre os países periféricos explorados. Mas, se as empresas são honestas em países ricos, e corruptas em países pobres, parece claro que o problema está nos países pobres, e não nas empresas. E muito menos nos países ricos. Conhecemos as diferenças dos sistemas judiciários, das polícias e dos graus de impunidade entre os dois grupos de países. Para não falar da cultura, porque acarretaria uma longa discussão antropológica.

O "neoliberalismo", a "globalização" e o "capitalismo imperialista" sempre levam a culpa por nossa incompetência no estabelecimento do Estado de Direito. O "jeitinho brasileiro" é o nosso verdadeiro predador. E é canibal.

segunda-feira, outubro 02, 2006

O céu não é azul porque é legal andar de bicicleta

Somos obrigados a ouvir diversas vezes, diariamente, a mesma opinião de nosso colunista político preferido até a hora do almoço. Raramente aparece um raciocínio novo, ainda que breve, para animar as mesas redondas de nossa convivência. O debate político está cada vez mais difícil no Brasil. Muito por ignorância, um pouco por má fé. Aos interlocutores está faltando, de onde posso ver, um tanto de lógica e matemática. Não há distinção entre números absolutos e relativos, por exemplo. Comemoram-se milhões de novos empregos, diante de uma taxa de desemprego inalterada. Não há rigor na argumentação, apenas uma recalcitrante repetição de sofismas:
- Este Governo é ruim.
- Não, aquele Governo foi péssimo.
É como dizer que o céu não é azul porque é legal andar de bicicleta. Mesmo que o segundo argumento esteja certo, ele não refuta o primeiro.
E existe uma enorme confusão a respeito de relações de causa e efeito: "Nunca foram desmantelados tantos esquemas de corrupção", dizem. Muitos crimes aparecem somente se: aumentam os crimes; ou a polícia é excelente. Não temos elementos para acreditar na segunda hipótese.

Por que tanto compromisso com a coerência? Orgulho? Quando estamos errados, mudamos. Este é o compromisso com a verdade.

sábado, setembro 23, 2006

Princípios Constitucionais


Você e eu não devemos sonhar com um presidente, governador ou prefeito que seja capaz de inspirar nossos espíritos cívicos pelo seu carisma. O Executivo está a cargo do serviço público, regido pelo princípio da impessoalidade. Serviço não é mando, e impessoalidade não é carisma. Precisamos de executivos que sejam capazes de administrar de forma eficiente, com a humildade inerente ao ato de servir, os escassos recursos da nação. E que sejam, ao menos, capazes de prezar pelo princípio constitucional da moralidade. Está equivocado aquele que atribui a responsabilidade de um herói ao poder público.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Não volta à boca a palavra pronunciada


Não volta à boca a palavra pronunciada. Risca no ar sua trajetória em forma de arco, e cai como uma flecha lancinante no peito de quem de direito.

Bento XVI sabe o que disse, de sua terra natal para o mundo, e disse com a propriedade de quem carrega a pesada história da espada do Cristianismo. Todos esperam mais uma atitude política de conciliação, a ser celebrada em uma grande festa ecumênica, onde o conflito seja esquecido e o impasse seja evitado. Mas não é dos conflitos que surgem os debates, e nos debates que o pensamento evolui? Não é nos impasses que os paradigmas são quebrados? O problema é que estamos acostumados com os lugares comuns, com o eterno e infalível caminho do meio, com a mesma resposta superficial para todas as questões. Não paramos para refletir sobre os princípios e não queremos debatê-los. Nada vale o gosto amargo de uma discussão atravessada na garganta. No entanto, a falta de compromisso com princípios nos submete à imposição da vontade alheia.

Quero interpretar o discurso de Sua Santidade, com seu exemplo bizantino, como um apelo aos povos do ocidente que observam apáticos o diálogo perdendo espaço para a imposição violenta da vontade. Não matarás.

sexta-feira, setembro 15, 2006

El Condor Pasa

Diplomacia não é organizar recepções para autoridades internacionais, com aquelas afetações de nossa cultura "criativa" de samba, futebol e mulher bonita. Quando não há o que se dizer de alguém, de um povo, ou de uma cultura, diz-se que é criativa. Um pleonasmo que serve justamente para dizer nada.

A Diplomacia deve defender o interesse soberano, que é a soma de nossos interesses de brasileiros e acionistas da Petrobras. O poder soberano não é transferido aos trapalhões do Estado. O Governo é apenas nosso fiel depositário, e somente enquanto for capaz de garantir nossa segurança e a defesa de nossos interesses.

Os Estados estão, entre si, em estado de natureza. Não existe juiz ao qual apelar. Os conflitos não se evitam, e se adiados, trazem desvatagem. Hoje ouvi uma frase sensata: "paciência tem limite". Qual é?

sexta-feira, setembro 08, 2006

A Social Demagogia

Tenho lido muito sobre uma suposta "lacuna ideológica", sobre a necessidade de uma nova fronteira política. A quase zen-budista terceira via já recosta sôfrega, sob pancadas de jovens franceses desempregados, como o entardecer melancólico de um último dia em Paris. Para nós, filhos bastardos de Camões e primos sonolentos de Cervantes, o horizonte é o velho populismo, em traje de Social Demagogia.

Evitando explicar este fenômeno latino-americano a partir da economia, o que seria condescender com certa dose de materialismo histórico, creio que tudo está na força do carisma de legitimar o poder. Não há justificativa para o voto no líder carismático, trata-se de um ato de fé geral, sem distinção de qualquer tipo de classe. Se, combinado com o carisma, há reeleição, uso da máquina pública, massas de manobra e desinformação, temos gigantes clássicos do populismo, Golias. Cadê os Davis?

domingo, setembro 03, 2006

Dias de Platão em Caracas

A República, Livro VIII: como a Democracia se degenera em Tirania.

"Sócrates - Quando o protetor do povo, encontrando-o inteiramente submisso (...) o arrasta à barra dos tribunais e o faz perecer em suplícios; quando ele próprio (...) mata uns, desterra outros, propondo depois à multidão a abolição das dívidas e nova distribuição das terras, não se lhe torna, então, inevitável como uma lei do destino perecer às mãos de seus inimigos ou tornar-se tirano?
Adimanto - Inevitável, sem dúvida.
Sócrates - Ei-lo, pois, em guerra aberta com os opulentos e afazendados (...) E se, expulso da cidade, a ela retorna apesar de seus inimigos, não é certo que volta com todo o aparato de tirano consumado? É então que, se os ricos não conseguem expulsá-lo ou fazê-lo condenar à morte, armam-lhe ciladas para lhe tirar secretamente a vida pela violência.
Adimanto - Isso sempre acontece.
Sócrates - É então que se dá o caso de recorrer à famosa petição em que um ambicioso, reduzido a tais extremos, pede ao povo uma escolha a fim de garantir a segurança pessoal do protetor do Estado. (...) E povo lhe dá o que pede, temendo pela segurança do protetor e mui seguro de si mesmo."

Estava escrita, há milênios, a história recente da Venezuela de Chávez.
Espero que Platão não venha passear no Brasil.

quinta-feira, agosto 31, 2006

Ode à mediocridade, honra ao mérito

Aristóteles (Estagiros, 384 a.C.- 322 a.C.) escreve sobre a "virtude do justo meio" no livro III, d'A Política: "A vida feliz consiste no livre exercício da virtude, e a virtude na mediania; segue-se necessariamente daí que a melhor vida deve ser a vida média, encerrada nos limites de uma abastança que todos possam conseguir."

Falta no discurso político brasileiro uma meta clara, uma visão para o país. Precisamos tornar concreto o que desejamos ser como brasileiros médios. Os americanos desenvolveram esta idéia, e criaram um produto que resume uma missão, desdobra uma visão, operacionaliza uma estratégia de forma direta: o sonho americano. Uma família, uma casa no subúrbio, um carro, um emprego e, quem sabe, um cachorro. A opinião pública americana se posiciona a favor de políticos, leis e guerras somente na medida que estejam alinhados a este brilhante objetivo central.

Se analisarmos todas as pessoas do mundo por suas alturas, será alta a probabilidade de obtermos uma distribuição normal. Do mesmo modo, se analisarmos pelo grau de merecimento em relação a qualquer coisa, será reduzido o número de pessoas que merece muito mais, ou que merece muito menos. Precisamente, 99,7% estarão entre mais ou menos 3 desvios padrões da média.

Observe que mirar na média não é uma retórica pela igualdade. Ao contrário do que nos fizeram crer até então, é pela liberdade que caminhamos até a justiça. Existe uma pequena diferença entre merecimento e mérito. Um é potencial, o outro é efetivo. Uma sociedade livre e justa é aquela que dá maior aderência entre o merecimento potencial e o mérito efetivo. Nesta sociedade, em que cada um tem o que merece, a igualdade é uma suave conseqüência da liberdade, em uma curva em forma de sino. Justiça é honra ao mérito.

terça-feira, agosto 22, 2006

Aux grands hommes, la patrie reconnaissante


Pedi ao garçom duas taças de Bordeaux no Café Pantheón, para contemplar o cair da noite com minha mulher, ainda mais linda em Paris e no início da gravidez. À esquerda, a torre Eiffel começava a acender, distante. Do outro lado da rua, a fachada da Universidade de Sorbonne: Liberté, Égalité, Fraternité. À direita, o Pantheón de Paris, que me retirou do estado de graça para mais uma chata e inócua reflexão pretensamente sociológica.

Reparei que as letras douradas sobre as colunas coríntias do edifício neoclássico se ordenavam em um admirável epitáfio. Estão enterrados ali Voltaire, Rousseau, Victor Hugo, Marie Curie, entre outros grandes nomes reconhecidos pela sua pátria através desta vultosa obra arquitetônica. Não havendo educação melhor que o exemplo, me senti inspirado para ser um grande homem. Brindamos e nos beijamos, Daniele e eu.

Hoje penso como seria difícil erguer um Panteão no Brasil. Pelo investimento também, mas sobretudo pela carência de nomes a serem enterrados. Ele seria construído, antes de qualquer esforço criativo, na Cinelândia, no Rio, seria superfaturado e ninguém acabaria preso por causa disso. A escolha fúnebre se daria em um programa de TV, através de votos via telefone e internet. Todos os escolhidos para o enterro seriam ídolos populares do esporte nacional.

A meu ver, só temos um nome: Machado de Assis. O que você acha?

quinta-feira, agosto 17, 2006

Introdução à Economia I

Percebi, repentinamente, que estava com sede. Aquela sede que dá na praia, salgada. Uma baita preguiça de andar até o quiosque para comprar um côco. No Rio não tem aquele nordestino que vem, montado em um jegue, vendendo côco e macaxeira, como tem em Aracaju (ou tinha, não sei). Quando minha língua começou a grudar no céu da boca, empreendi mais uma aventura de inesquecível e profundo aprendizado.

O cenário era de inflação alta, desequilíbrio fiscal, volatilidade cambial e alta do côco. Fiquei indignado ao me lembrar que não era verão, e acabei comprando uma cerveja. Não sei se alguém que estava ao meu lado percebeu meu descontentamento, ou se eu mesmo (óbvio que fui eu), em um lapso momentâneo de total imbecilidade e presunção, comentei:
- Até parece que esse côco acompanha o preço do dólar.
O Economista Chefe do quiosque respondeu, de cima de suas sandálias havaianas, de dentro de um camisão vermelho, sob a lâmina de um facão em queda livre, enquanto eu me arrependia:
- O côco não, mas a gasolina que transporta o côco acompanha.

Depois eu ainda conheci um catador de latas preocupado com o mercado de commodities.

quarta-feira, agosto 09, 2006

Anti-manifesto


Desconfio seriamente de qualquer coisa baseada em Manifesto, Movimento ou algo que o valha. O pensamento político mais elegante e consistente não combina com rostos suados, jugulares protuberantes, nem com idealismos fortuitos. A arte que fala às nossas almas não se cria através de um plano para revolucionar o status quo, sua revolução simplesmente acontece.

Jean-Jacques Rousseau (Suiça, 1712-1778) escreveu no início do Contrato Social: "Fosse eu príncipe ou legislador, não perderia meu tempo dizendo o que deve ser feito: ou o faria, ou me calaria."

"Impressão, Nascer do Sol", de Monet (França, 1840-1926), não foi feita para criar o Impressionismo. Simplesmente criou. Além de estar acima, a obra está no Musée Marmottan-Monet, Paris.

sexta-feira, agosto 04, 2006

Liberdade, ainda que tardia.

Discordo do trecho a seguir da "Proclama del Comandante en Jefe al pueblo de Cuba":

"No albergo la menor duda de que nuestro pueblo y nuestra Revolución lucharán hasta la última gota de sangre para defender estas y otras ideas y medidas que sean necesarias para salvaguardar este proceso histórico."


quinta-feira, julho 27, 2006

A cidade visível

Para Marila. Segunda parte.

O economista peruano Hernando de Soto estimou que a formalização de títulos de propriedade para os habitantes de favelas e ocupações irregulares transformaria o que ele chama de ''capital morto'' em uma injeção de nada menos que US$ 9,3 trilhões na economia mundial. Fundador do Instituto Liberdade e Democracia, o economista já foi cotado para o prêmio Nobel, e defende a tese de que o reconhecimento da propriedade é o caminho para que os países menos desenvolvidos tenham acesso aos benefícios do “clube privado” do capitalismo ocidental.

A propriedade é anterior à lei e à própria formação da sociedade política. Ao ser formalizada através de um título, torna-se um convite ao cidadão, dando acesso ao crédito para empreender seus negócios e reencontrar a dignidade do trabalho formal. Em troca, exige respeito. Uma troca justa.

terça-feira, julho 25, 2006

A cidade invisível

Entre as cidades invisíveis de Ítalo Calvino (Cuba, 1923-1985), relatadas por Marco Pólo a Kublai Khan, uma poderia se chamar “Informalidade”. Ela seria densa, agitada e dramaticamente natural. Estaria incrustada em outra cidade, chamada “Ítaca”, entremeada pelas suas vilas e mercados. Como rios de lava quente correndo entre ilhas de ilusão. Um viajante, à distância, poderia ver as duas, e sempre seria tomado de enorme compaixão pelos seus pobres moradores. Mas, uma vez residente ali, perderia sua capacidade de separá-las, e veria beleza, alegria e um notável espírito criativo naquilo tudo.

domingo, julho 23, 2006

Vida longa às nossas famílias!

A preservação da paz e da justiça, que é o fim em vista do qual todos os Estados são instituídos*, é possível através da união que acordamos acerca de uma lei estabelecida comum e uma judicatura à qual apelar, com autoridade para decidir sobre as controvérsias que ameacem nossa propriedade, isto é, nossa vida, liberdade e bens**.

O desvio de finalidade que observamos hoje é evidente. Candidaturas em todas as esferas de Governo propõe tudo, exceto paz e justiça. A primeira está apenas negligenciada, porque é produto da segurança pública. A segunda é considerada um “problema estrutural”. O “problema estrutural” é a maior falácia depois da “questão social”. São típicos termos cunhados com o propósito de compor discursos pré-fabricados, recursos de retórica, que, por conterem abstrações indefinidas, com cinco minutos de debate querem dizer nada. Seria melhor se a reflexão fosse sobre desemprego, por exemplo, ao invés de “questão social”. E impunidade, ao invés de “problema estrutural”.

São de senso comum certas preocupações com emprego, educação, saúde, entre outros setores que, de uma forma ou de outra, podem ser equacionados pelo setor privado. Ora, quem gera emprego são as empresas, não o Governo. Os problemas que originaram o Estado, de que eleições e candidatos não passam de efeitos colaterais, ou melhor, reações adversas, não são estes, mas aqueles que tocam nossa paz, justiça e propriedade (lato sensu).

Da próxima vez que aparecer um candidato falando sobre “geração de emprego” vou declarar independência e instituir uma monarquia absolutista. Exportarei serviços e importarei frutas frescas, não haverá súditos e nem impostos. Então, sentarei na varanda com minha rainha e minha princesa, ao redor de uma finíssima mesa de chá, desejarei "vida longa às nossas famílias" e discutiremos o Impressionismo francês enquanto limpo meu rifle.

* Trecho com base em Thomas Hobbes (Inglaterra, 1588-1679), capítulo XVIII do Leviatã.
** Trecho com base em John Locke (Inglaterra, 1632-1704), capítulo VII do Segundo Tratado sobre o Governo Civil.

sábado, julho 15, 2006

A única coisa a fazer é tocar um tango argentino

Algumas coisas feitas para serem tristes, me deixam alegre. Não digo cinicamente alegre, mas sinceramente alegre, contente. O Tango é uma delas. Coisas feitas para serem alegres também podem me deixar triste. Exemplo: Bossa Nova. Nada mais melancólico do que "um barquinho a deslizar, no macio azul do mar".

O Tango é capaz de reverter tragédias, inclusive:

Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .
— Respire.
...................................................
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Manuel Bandeira

Se você quiser, tem mais Manuel Bandeira e mais Tangos por aí.

sexta-feira, julho 14, 2006

Surrealismo no Centro do Rio

Palácio Tiradentes, Rio de Janeiro. Meu caminho para o trabalho é relaxante, não posso negar. O Centro do Rio ainda deslumbra os olhares mais atentos. A narrativa que segue é verdadeira, aconteceu comigo.

Outro dia parti da praça XV, passei entre o Paço Imperial (palco do Dia do Fico e da assinatura da Lei Áurea, hoje é um centro cultural) e o Palácio Tiradentes ("memória do parlamento brasileiro", hoje, bem, deixa pra lá), pela Rua da Assembléia, para chegar à Rua São José. Saí um pouco do trajeto, mas foi uma volta bonita. Era cedo e as pessoas ainda não tinham emporcalhado as ruas. Minha primeira surpresa foi encontrar, mais ou menos em frente ao McDonald's, do outro lado da ruela, na praça, um sujeito alto, gordo, provavelmente com menos de trinta anos, vestindo uma camiseta curta, bermuda e chinelos, produzindo tanto óleo através dos poros da face, que seria possível pensar seriamente em um processo produtivo para biodiesel em escala nacional. Não, nada disso me surpreendeu. O interessante é que ele estava, com um reluzente violino, tocando trechos de Dvořák e Albinoni, que impregnaram minha alma com uma esperança de que todo mal um dia seria convertido em bem. É, pela manhã sempre estou suscetível a uma introspecção profunda. Às vezes chego a cair no sono novamente.

Deixei 1,00 R$/min no case do nosso gênio romântico-barroco, e segui adiante. Atravessei a Avenida Rio Branco em um golpe de sorte do sinal, sem pistas do que ainda estava por vir. O fato é que, em pleno Largo da Carioca, sete pessoas observavam com ar de nostalgia dois argentinos tocando "Adiós Nonino", violão e bandoneón. A essa altura eu já me sentia como se tivesse uma dose de prozac circulando em minhas veias. Na verdade, os caras tinham cara de argentinos, não posso garantir. Como havia me precipitado deixando todo o trocado para o gordo, e convicto de que pegar o troco para R$ 50,00 em centenas de moedas seria uma maluquice, inventei uma louca teoria de compensação intertemporal de boas intenções, e continuei feliz ao som de Piazzolla.

No entanto, segundos depois, reparei que uma senhora tentava descobrir que livro eu carregava na mão esquerda. Escondi, para que ela não me julgasse mal. De repente, a velhinha começou a gritar descontroladamente, com a dicção prejudicada pelo movimento que o ar vindo de seus pulmões fazia ao redor de seu único dente:
- Xeu merda! Xeu merda!
Pensei que tudo estivesse acabado. Pensei em reivindicar meu dia perfeito, em dialogar com a senhora, explicar que o livro era contrário às minhas idéias, mas que era preciso conhecê-lo para combater seus princípios equivocados...
- Me dexculpe meu filho, eu não xou de falar palavrão, maix pótaqueopariu, exe garotinho é um merda mexmo!
A senhora tinha confundido o candidato Sérgio Cabral, que passava atrás de mim com seus caudatários, com o outro. A política estragou o meu dia, mais uma vez.

quarta-feira, julho 12, 2006

Mateus. Cap. 19, vers. 13 ao 15.

Ao fundo, "Briga de galo", de Jean-León Gérôme (França, 1824-1904). Museu D'Orsay, Paris. Em primeiro plano, crianças brincando com arte conseguiram me deixar otimista. Imaginei:
- Qual é o nome do galo preto, tia? Perguntou a garotinha de blusa azul.
Enquanto a professora pensava na Académie des Beaux-Arts e em todas as metáforas que poderia usar para responder...
- Frederico. Disse o jovem de camisa bege.
- E não é um galo, é um straznovix marciano. Continuou, gesticulando freneticamente.
Todos riram e pensaram que a arte era um negócio muito bacana. Depois cresceram e pagaram impostos para sempre.

sábado, julho 08, 2006

Tropa de elite

Em caso de vida ou morte, queremos a nata da medicina. Para música, Beethoven e seus melhores intérpretes. Se estamos em litígio, que seja um juiz íntegro e experiente. Para a educação de nossos filhos, as melhores escolas. É natural a busca pelo melhor quando precisamos lidar com as questões importantes de nossas vidas, através da valorização do mérito dos indivíduos, em suas artes, profissões e especialidades. O espírito anti-elite, que gostam de chamar de popular, é um equívoco da retórica vazia do frenesi revolucionário que molha as calças de nove entre dez intelectuais latino-americanos, ainda nos dias de hoje.

O que falsamente se chama de “elite política” no Brasil e na América Latina é apenas uma degeneração oligárquica. Dizem que a elite política que precisamos, formada pelos melhores homens e mulheres de vocação pública, não tem estômago para a sujeira do jogo político. Assim seja. Política não é candidatura, mandato, eleição. Presidentes, senadores e demais magistrados são meros servidores, a serviço do público, a nosso serviço. A história é conseqüência das idéias, da cultura, do debate que se dá na sociedade civil.

Tropa, vamos ao debate!

terça-feira, julho 04, 2006

Ao princípio


“Durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum, capaz de manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição chamada guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens.”
...
“Em tal situação não há lugar para indústria, pois o seu fruto é incerto, e conseqüentemente, não há cultivo da terra, nem navegação, nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar; não há construções confortáveis, nem instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande força; não há conhecimento da face da terra; nem cômputo do tempo; nem artes; nem letras; nem sociedade; e o que é pior do que tudo, há um constante temor e perigo de morte violenta. A vida do homem é solitária, miserável, sórdida, selvagem e curta.”

Muito pouco muda se comparamos estas conhecidas passagens de Thomas Hobbes (Inglaterra, 1588-1679), do capítulo XIII do Leviatã, com o cotidiano de pessoas que vivem em lugares onde não há respeito pela liberdade alheia, como é o meu caso. Vivemos a era dos direitos: humanos, das mulheres, da criança, do adolescente, dos idosos, dos animais, dos presidiários, dos criminosos. Ora, nossos direitos são inatos, não precisam de declarações. Tudo não passa de uma insistente projeção de responsabilidades que não deixa espaço para os deveres. Quando abrimos mão de parte da nossa liberdade para convivermos, assumimos responsabilidades, deveres, contratos. O “poder comum” espalha-se em todas as direções, mas é incapaz de mediar estes contratos, gerando incerteza, violência e temor. Já não creio no Estado, minha opção é exercitar a lei do Evangelho “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Para meu coração de pedra, e para a dureza da vida em sociedade, cabe a versão de Hobbes: “Faz aos outros o que queres que façam a ti.”

sexta-feira, junho 30, 2006

Retórica (ρήτωρ)


A retórica, uma das liberal arts, é a arte da persuasão. Conhecer um pouco dela é fundamental para aproveitarmos o máximo dos debates dos quais participamos. Serve também como antídoto para a vaidade, que está sempre à espreita das rodas de discussão, desde simpósios até papos-furados de boteco. Conhecendo as técnicas de persuasão, você pode relaxar e utilizar o debate a seu favor, sem se importar em ganhar ou perder. Os focos passam a ser o aprimoramento de suas idéias e o teste de suas convicções.

Uma técnica muito usada, principalmente por aqueles que possuem conhecimentos em matérias variadas, é a "metralhadora de argumentos". Podem ser dados, números, conceitos, exemplos ou citações. Em casos extremos, vem tudo junto. Acho que a melhor defesa contra esta técnica é utilizar a matemática. Sim, uma equação matemática. Coloque a tese que está em debate em evidência, e o restante entre parêntesis. O ideal é ouvir pacientemente toda a argumentação, aprender o que interessar, e deixar para reorganizar a discussão no final. Agradecendo pelas novidades entre parêntesis, verifique se, afinal, a tese foi ou não refutada. Se não foi, apresente a tese novamente, se foi melhor ainda: mais um aprendizado. E dê-lhe dialética.

Outra técnica é o "emputecimento repentino". O sujeito encerra o assunto fazendo uma declaração, seguida de um palavrão ou grunhido. Muitas vezes retira-se da roda nesse momento para ir ao banheiro. O contra-golpe raramente vale a pena.

Uma das mais usadas é o "recrutamento". Você está quieto desde o início do papo, que está polarizado entre duas outras pessoas. Rapidamente uma delas olha para você, dizendo:
- Como você mesmo disse blá, blá, blá...
O cara quer te colocar do "lado" dele, o que às vezes está bem, às vezes não está.

Os recursos e alegorias da retórica são inúmeros, e observá-los durante um debate é um entretenimento à parte. Falando em diversão, vá ao American Rhetoric, um site com conceitos sobre retórica e discursos memoráveis.

terça-feira, junho 27, 2006

Novas luzes e sombras


Eugène Delacroix (França, 1798-1863) é considerado um dos mais influentes pintores românticos. Os românticos nasceram com os ideais iluministas, valorizando a individualidade, quebrando certas regras clássicas, inclusive de comportamento. A inovadora forma de utilizar as cores destes pintores inspirou os impressionistas, para nosso deleite. “Hamlet e Horácio no Cemitério” está no Louvre, em Paris.

quarta-feira, junho 21, 2006

Ainda somos bárbaros

No capítulo XVII de “O príncipe”, no qual Nicolau Maquiavel (Itália, 1469-1527) analisa se é melhor, para o governante, ser amado que temido ou o inverso, encontra-se uma minuciosa descrição da condição humana: “...geralmente se pode afirmar o seguinte acerca dos homens: que são ingratos, volúveis, simulados e dissimulados, fogem dos perigos, são ávidos de ganhar... têm menos receio de ofender a quem se faz amar do que a outro que se faça temer... esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do patrimônio”. A conclusão do famoso capítulo é que, diante de homens nestas condições, é melhor para o príncipe ser temido que amado.

Se Maquiavel, por um lado, dava lições de tirania aos príncipes, por outro ensinava liberdade aos povos. Enquanto enxergarmos o mundo através de sombras, acorrentados à nossa condição bárbara, veremos nossas democracias se degenerarem em populismos, e depois sucumbirem em tiranias. Aquele que exercita a virtude é mais livre, porque combate a retórica fascista e não permite que um tirano tente justificar sua presença.

segunda-feira, junho 19, 2006

Figuras de Linguagem

A utilização indevida de figuras de linguagem me preocupa, sobretudo porque corrompe o debate. Hipérboles engendram estereótipos, eufemismos comprometem convicções e ironias são as máscaras preferidas dos cínicos. Muitas vozes contemporâneas importantes perdem espaço por causa de exageros desnecessários, e são jogadas no limbo como reacionárias. Por outro lado, viver buscando uma terceira via para qualquer coisa, da arte à política, é um emblemático sinal de covardia. Mas o pior é o descontrole da ironia. Trata-se de um subterfúgio de dificílimo domínio, que vicia e nutre a campanha sofista vigente. Prefiro fazer uma reverência a Machado de Assis e concentrar esforços no debate sincero, ainda que às vezes seja necessário me submeter ao rigor do método.

domingo, junho 11, 2006

A Cidade

Para Marila. Primeira parte.

A cidade se move conforme os anseios do homem, "animal cívico". As novas formas de morar, tanto as encasteladas nos condomínios e shoppings, quanto as invadidas nas favelas e camelôs, são conseqüências da injustiça e da violência do homem. Nós somos injustos, e nossos vícios estão espelhados nas cidades. Neste sentido, as soluções em busca da justiça devem estar apoiadas na liberdade do indivíduo para desenvolver plenamente suas virtudes, sem precisar projetar sua responsabilidade no poder público. A cidade justa não será fruto das leis de uso do solo nem do estatuto das cidades, mas do trabalho e da moral de cada cidadão que ajudará a construí-la.

terça-feira, junho 06, 2006

A Morte de Sócrates


Jacques-Louis David (França, 1748-1825), ícone da pintura neoclássica, esteve à serviço de Robespierre e de Napoleão Bonaparte, mostrando que a arte está acima das idéias. Similar na técnica aos renascentistas, o artista neoclássico difere na adoção de temas: mais épicos e menos religiosos. De 1787, "A Morte de Sócrates" retrata o filósofo teorizando sobre a imortalidade da alma, justificando sua escolha pela sentença de morte, ao invés da renúncia de suas teses, mostrando que as idéias estão acima das paixões humanas. Está no Metropolitan, NYC.

domingo, junho 04, 2006

A terceira via da arte

A terceira via da história da arte é o Realismo. Enquanto os neoclássicos pintavam o belo, os românticos olhavam para o sublime. Embriagando-se em prostíbulos revolucionários, o Romantismo dissolvia a perfeição dos contornos neoclássicos. Essa era uma guerra cultural marcante, e sua relevância era nada menos que a busca da verdade: de fora para dentro ou de dentro para fora. O Realismo, deslocado do percuciente debate filosófico, resolveu pintar o objeto exatamente como ele era, eliminando o espírito criativo do artista. Ora, para pintar algo verossímil, melhor observar o objeto diretamente. Ou contratar um retratista.

sexta-feira, junho 02, 2006

Parla!

Moisés, de Michelangelo Buonarroti (Itália, 1475-1564), obra-prima da escultura renascentista, localizada na Paróquia de San Pietro in Vincoli, Roma. O artista registra a ira de Moisés que, recém descido do monte Sinai, observa com ar de reprovação seu povo adorando um bezerro de ouro. Em seguida Moisés quebra as tábuas da lei que carregava, destrói o bezerro de ouro e ora. Deus reescreve as palavras em duas novas tábuas de pedra.

quinta-feira, junho 01, 2006

Quid est Veritas?

Em sua primeira epístola aos Coríntios, o Apóstolo Paulo explica que a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus (3,19). Corinto era uma importante cidade grega em 50 d.C., poucos séculos depois de Platão e Aristóteles lançarem o facho de luz que pavimentou a linha da história ocidental. Estaria o Apóstolo sepultando a possibilidade de o homem chegar à verdade definitiva através do exercício de sua razão? Pôncio Pilatos já havia amaldiçoado a indagação ontológica “o que é a verdade?”, provavelmente enquanto observava suas próprias mãos. Hoje nos restam o advento do niilismo e a massificação da ignorância. Mesmo que o mistério não se converta em um enigma, caminhar em sua direção será eternamente o mais violento fluxo no sentido do bom, do belo e da virtude humana.

Arte e Filosofia

Meu pai é a filosofia, minha mãe é a arte. Meu pai é filósofo não somente pelos pensadores que conhece, pelos livros que leu, mas porque toma partido pela filosofia que acontece, em sua vida, na realidade. Mais do que dizer o que pensa, vive o que pensa, e educa através de sua biografia. Minha mãe é arte que acontece. Há tempo para ser acadêmica, e tempo para ser abstrata. E a transição entre estas duas formas é a transformação que ocorre em sua própria vida.

Arte, filosofia e algumas de suas conseqüências. A isto eu gostaria de dedicar meu tempo, aqui.

terça-feira, maio 23, 2006

Consummatum est

Para escrever, penso. Logo desisto.

Fiat Lux

Para escrever, penso.