sexta-feira, dezembro 28, 2007

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Hayek x Polanyi

Eu gostaria de continuar o debate sobre os trabalhos mais conhecidos de Polanyi e Hayek, se me derem licença. Acho que a crítica que eu elaboraria ao argumento central de A Grande Transformação, se tivesse competência para isso, seria a de que Polanyi trata o liberalismo como se fosse laissez-faire, apesar de dizer no Capítulo 12 que não o é.

Hayek esclarece, para aqueles que permanecem confusos desde 1944, que:

"A característica que mais claramente distingue um país livre de um país submetido a um governo arbitrário é a observância, no primeiro, dos grandes princípios conhecidos como o Estado de Direito. Deixando de lado os termos técnicos, isso significa que todas as ações do governo são regidas por normas previamente estabelecidas e divulgadas - as quais tornam possível prever com razoável grau de certeza de que modo a autoridade usará seus poderes coercitivos em dadas circunstâncias, permitindo a cada um planejar suas atividades individuais com base nesse conhecimento."
O Caminho da Servidão, Capítulo 6.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Ordem e Progresso?

O Visconde do Uruguai e Tavares Bastos discutem a ausência de educação cívica no Brasil, atribuindo-a a colonização da monarquia absolutista portuguesa. Apesar de ambos defenderem que a organização do poder político influencia o desenvolvimento nacional, enquanto o primeiro acredita que as virtudes cívicas podem ser moldadas no caráter brasileiro sob a tutela do Estado centralizado, o segundo afirma que as instituições devem carregar a idéia de liberdade política como meio de aprendizado e aperfeiçoamento constantes, dando à sociedade as condições de se autogovernar e superar o atraso.

Começou no século XIX uma importante tradição do pensamento político brasileiro... ...que se perdeu em algum lugar do século XX.

segunda-feira, novembro 26, 2007

Abracem-se, milhões!

"Ninguém o impede, ele é uma força da natureza"

Esta é uma passagem marcante do filme Copying Beethoven, dita pelo sobrinho do compositor. Gostei do filme. Gosto do Ed Harris. Mas o que é lindo mesmo é isso aqui:



Karajan toca a música.

Aos -21 min começa a parte mais famosa da 9ª sinfonia, a aos -17 min, o coro:

Oh amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais prazeroso
E mais alegre!

Alegre, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir
O que o costume rigorosamente dividiu.
Todos os homens se irmanam
Ali onde teu doce vôo se detém.
Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se conosco!
Sim, mesmo se alguém conquistar apenas uma alma,
Uma única em todo o mundo.
Mas aquele que falhou nisso
Que fique chorando sozinho!
Alegria bebem todos os seres

No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até a morte;
Deu força para a vida aos mais humildes
E ao querubim que se ergue diante de Deus!
Alegremente, como seus sóis corram
Através do esplêndido espaço celeste
Se expressem, irmãos, em seus caminhos,
Alegremente como o herói diante da vitória.

Abracem-se milhões!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos, além do céu estrelado
Mora um Pai Amado.
Milhões se deprimem diante Dele?
Mundo, você percebe seu Criador?
Procure-o mais acima do Céu estrelado!
Sobre as estrelas onde Ele mora!

sexta-feira, novembro 23, 2007

quarta-feira, novembro 14, 2007

¡Lo cortés no quita lo valiente!

A frase que ficou famosa na Câmara Ibero-americana foi a do Rei Juan Carlos. De certa forma aquela atitude reuniu os desejos de diversos povos que, por acreditarem na Democracia, no Estado de Direito e nas liberdades individuais, sentiram-se representados pelo monarca. Constituiu-se, ali, um corpo político baseado em princípios, com um verniz de capa e espada como há muito não vemos. Chávez, preciso repetir, ¿por qué no te callas?

Mas a frase que melhor traduziu o momento foi a mensagem de agradecimento do ex-presidente del gobierno Aznar ao seu rival político e ideológico, o presidente Zapatero:
"- ¡Lo cortés no quita lo valiente!"

José Luis Rodríguez Zapatero defendeu as instituições espanholas, a despeito de suas divergências políticas com Aznar, ensinando como deve se comportar um representante eleito. Objetivo, exigiu respeito, rechaçou o galhofeiro e uniu a nação espanhola. Não se tratou de uma disputa de interesses econômicos, de imperialismos ou de conflitos centro-periferia. Foi um episódio ocorrido no campo das idéias, dos princípios. Não há materialismo histórico-dialético para isto.

Zapatero foi a prudência, a implacabilidade institucional. O Rei Juan Carlos foi a coragem, a honradez monárquica. Da metáfora do Príncipe como lugar do poder, a figura do Rei como lugar dos princípios.

quarta-feira, outubro 31, 2007

"Rationality will not save us"

Acabei de assistir ao excelente documentário "Sob a Névoa da Guerra": uma entrevista admirável, sincera e contundente com Robert McNamara, o Secretário de Defesa de John Kennedy e Lyndon Johnson. Trata-se de uma seqüência de 11 lições de uma vida marcada pela guerra, desde 1916, de um homem que escreveu parte da história da Cold War.

Apesar de ter passado 7 anos no comando da Guerra do Vietnã, acho que a principal lição que McNamara aprendeu foi a da Crise dos Mísseis em Cuba, a de #2: Rationality will not save us. Formado na tradição racional, matemática, obsessivo na maximização da eficiência, ele admite que a solução da crise foi um golpe de sorte.

A URSS enviou 2 mensagens ao Pentágono, uma suave e outra ameaçadora. A ambigüidade, vale dizer, é um importente recurso de dissuasão. O ex-embaixador dos EUA em Moscou, com base em sua relação pessoal com Kruschev, concluiu que a primeira era a do líder soviético, e a segunda uma provocação dos belicistas linha-dura. Kennedy enviou uma resposta para aquela de tom suave.

McNamara ressalta que, apesar de Kennedy, Kruschev e Fidel serem agentes racionais, a racionalidade tem limites na guerra, e aquela crise poderia ter seguido um rumo fatal. Fidel confirmou isto a ele, pessoalmente, depois. Racionalidade, em tempo de guerra, pode ser somente body count.

Vou escrever, em seguida, sobre os limites e aplicações da Teoria da Escolha Racional, ou Rational Choice.

domingo, outubro 28, 2007

Amália



Maldição

Que destino, ou maldição
Manda em nós, meu coração?
Um do outro assim perdido,
Somos dois gritos calados,
Dois fados desencontrados,
Dois amantes desunidos.

Ah! Gelada solidão,
Que tu me dás coração,
Não é vida nem é morte:
É lucidez, desatino,
De ler no próprio destino
sem poder mudar-lhe a sorte...

sexta-feira, outubro 26, 2007

A res publica


O Professor Eduardo Gomes fez uma interessante observação a respeito de uma das fotos de Mônica Veloso na Playboy:

"Intencionalmente – ou não –, a foto de Mônica sentada de frente para as costas de uma cadeira é uma imitação quase perfeita da famosa fotografia de Christine Keeler, uma showgirl que foi o pivô de um escândalo que aconteceu na Inglaterra no começo dos anos 1960, em plena Guerra Fria. O então secretário de Defesa, John Profumo, começara um relacionamento extraconjugal com Christine, que também mantinha um relacionamento com um adido naval soviético de alto nível – o que não poderia ser mais perturbador naquela época. Depois desses fatos terem sido trazidos a público, Profumo renunciou ao cargo – e a seu mandato legislativo, uma vez que era membro da Câmara dos Comuns e uma das evidências da ligação entre os dois foi a dita fotografia, supostamente batida por Profumo."
Profumo foi, supostamente, um excelente fotógrafo. J. R. Duran, obviamente, o é.

sexta-feira, outubro 12, 2007

Blindness

Eu gostei de "Cidade de Deus" e de "O Jardineiro Fiel". Não sei muito bem como eu cheguei lá, mas há 2 minutos eu acabei de ler o blog do Fernando Meirelles sobre as filmagens de Blindness. Você sabe, o "Ensaio sobre a cegueira", do Saramago, que ele está filmando. A melhor parte é o jantar com o escritor, na referência ao Cão das Lágrimas.

quarta-feira, outubro 03, 2007

Polanyi x Hayek

Se eu fizesse um levantamento do livro mais citado em todos os textos que li, acho que A Grande Transformação: As origens da nossa época, de Karl Polanyi, seria o vencedor. De fato, trata-se de um trabalho notável, com a rara combinação de uma perspectiva socialista com algum conhecimento de economia. Polanyi se preocupa com a "destruição do tecido social" ocorrida na Revolução Industrial, cuja causa considera ter sido a idéia de mercado auto-regulável. Seu mérito está em diagnosticar o problema do ritmo da mudança, da "rapidez do cataclisma"[um tema já abordado por Burke e Tocqueville, cá entre nós, quando tratam da Revolução Francesa]. Ele conclui assim: "o fim da economia de mercado pode se tornar o início de uma era de liberdade sem precedentes".

Friedrich Hayek, liberal austríaco, publicou no mesmo ano de A Grande Transformação (1944) seu clássico O Caminho da Servidão. Este livro, dedicado "aos socialistas de todos os partidos", deve ter feito muita gente repensar a conclusão de Polanyi:

sábado, setembro 22, 2007

Teoria Política em Montesquieu

A conhecida contribuição de Montesquieu para a teoria política trata, em suma, das formas de governo e da separação dos poderes, dois temas recorrentes da filosofia política. No Livro VIII de A República e no Livro III de A Política, Platão e Aristóteles iniciam o debate acerca das formas de governo. Aristóteles também desenvolve uma distinção entre os poderes, mas estão no Segundo Tratado sobre o Governo Civil, de Locke, as definições mais próximas das idéias de Montesquieu.

São três as formas de governo e três suas respectivas naturezas: a república, cuja natureza pode ser aristocrática ou democrática; a monarquia, entendida como o governo de um, sob a lei e por meio da lei; e o despotismo, governado pelo capricho do déspota. A natureza de um governo depende de quem detém o poder e de como ele é exercido. Cada forma tem um princípio, uma “mola que faz mover o governo”, “as paixões humanas que o movimentam”, conforme advertido pelo próprio autor. O princípio da república é a virtude cívica, do respeito às leis e do compromisso com a coletividade, conceito influenciado pela filosofia de Aristóteles. A monarquia depende da honra: mais do que motivada pela busca da glória, uma “falsa honra”* que exige distinções e preferências de nobreza. Por fim, o despotismo é movido pelo medo da arbitrariedade do déspota e de uns pelos outros.

É patente, na teoria política de Montesquieu, uma oposição decisiva entre a moderação da lei e da ordem, e a arbitrariedade dos caprichos do príncipe. O despotismo é o mal supremo a ser combatido com a liberdade, entendida como o direito de se fazer tudo o que as leis permitem. Buscando evitar os efeitos do despotismo na vida social, Montesquieu encontra a liberdade política na constituição da Inglaterra, examinando a separação dos poderes e as instituições representativas. Ele faz a distinção entre três espécies de poderes, o legislativo, o executivo dos Direitos das Gentes e o executivo do Direito Civil; sendo o segundo o poder executivo do Estado, e o terceiro o poder de julgar. Enquanto Locke está preocupado com a limitação do poder, a idéia essencial de Montesquieu está em seu equilíbrio, condição da liberdade política, que pode ser ameaçada pela arbitrariedade se um mesmo homem, ou corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercer os poderes de fazer leis, executar as resoluções públicas e julgar os crimes e as divergências. O objetivo da ordem política é a manutenção da liberdade, por meio da moderação na separação dos poderes e no equilíbrio do poder entre povo, nobreza e rei. Neste último, a representação política dos corpos intermediários tem um importante papel, destacado pelo nobre Barão.


* MONTESQUIEU. (1973), Do Espírito das Leis. São Paulo: Abril Cultural (Coleção Os Pensadores). Livro Terceiro, Capítulo VII: Do Princípio da Monarquia.

terça-feira, setembro 11, 2007

O Espírito Geral de Charles-Louis de Secondat

O Barão de Montesquieu retoma o racionalismo visto em Locke. Sua busca é por uma filosofia que lhe permita combinar o determinismo das particularidades sociais com julgamentos morais que sejam universalmente válidos*. O objetivo de Montesquieu é encontrar uma ordem conceitual na diversidade de idéias, hábitos, costumes, leis e instituições que observa no dado histórico. Ele procura captar, por trás da seqüência aparentemente acidental dos acontecimentos, as causas profundas que os explicam, ao mesmo tempo em que busca uma tipologia da diversidade para sistematizar a história.

Essa teoria do conhecimento está resumida, em boa medida, no início de Do Espírito das Leis. Montesquieu define as leis como relações necessárias que derivam da natureza das coisas, de modo que a divindade, o mundo material, os animais e os homens possuem suas leis. Ele afirma que existe “uma razão primeira”, e que as leis são as relações entre ela e os seres, e dos seres entre si, reconhecendo relações de eqüidade e princípios de justiça anteriores às leis positivas que os estabelece. As leis da natureza são aquelas que o homem recebe antes do estabelecimento da sociedade. As leis positivas, por sua vez, se reúnem no "Direito das Gentes", quando constituem as relações entre os povos, no "Direito Político", entre os que governam e os que são governados, e no "Direito Civil", nas relações que todos os cidadãos mantém entre si.

Montesquieu reconhece a diversidade contingente, mas quer buscar seus princípios: “Muitas coisas governam os homens: o clima, a religião, as leis, as máximas do governo, os exemplos das coisas passadas, os costumes, as maneiras, resultando disso a formação de um espírito geral”**. Para Raymond Aron o espírito geral de Montesquieu não é uma causa dominante, mas o conjunto de características adquiridas na história por uma sociedade, como resultado da pluralidade das causas que a influenciam, ou seja, a cultura. E é sobre este espírito que as instituições políticas de uma nação se sustentam.

* ARON, Raymond. (1987), Etapas do Pensamento Sociológico. São Paulo: Martins Fontes.
** MONTESQUIEU. (1973), Do Espírito das Leis. São Paulo: Abril Cultural (Coleção Os Pensadores).

domingo, setembro 02, 2007

Música para o domingo

Gosto muito da série "Música para o domingo", do Gropius. Até o próximo, você pode adiantar assim:

Segunda: Beethoven, raiva pelo tostão perdido, Yo Yo Ma, Sonata ao Luar, Für Elise, Karajan & Snoopy;

Terça: Schubert, Carullistas, Molinistas, Sarasate & Stravinsky;

Quarta: Haydn, Villa-Lobos & Mozart;

Quinta: Jazz;

Sexta: Viola Caipira.

Para o sábado: Mozart, obra completa.

quinta-feira, agosto 30, 2007

Um Pouco de Teoria Política em Hume

A teoria política de Hume é fundamentada em sua filosofia moral. A moralidade é um conjunto de virtudes aprovado pelo senso comum, pela sua utilidade conforme percebida pelos indivíduos, pelo prazer ou aversão que proporcionam. Justiça e benevolência não fazem parte de verdades eternas, devem seus méritos ao fato de conduzirem ao bem-estar da sociedade, ao agrado e à conveniência dos indivíduos e de seus semelhantes: são virtudes de utilidade pública. Este conceito de utilidade é o embrião da economia neoclássica.

Os princípios originais do governo, segundo Hume, residem no interesse público, no direito ao poder e no direito à propriedade, e sua única finalidade é a distribuição de justiça. A justiça, entendida como o respeito pelo direito de propriedade, é a extensão artificial da benevolência, uma virtude natural que carrega a intuição humana de que estamos ligados, de alguma forma, a alguns de nossos semelhantes. A inconstância da benevolência humana, que oscila entre extremos de indiferença e heroísmo, dá sentido lógico a uma justiça institucional, fundada na racionalidade da lei. Todos os homens são sensíveis à necessidade de justiça para que sejam mantidas a paz e a ordem, e à necessidade de paz e ordem para a manutenção da sociedade.

sexta-feira, agosto 24, 2007

A Teoria do Conhecimento em David Hume

David Hume busca construir uma ciência da natureza humana baseada no método experimental, levando o empirismo às últimas conseqüências. Segundo seu sensualismo, as idéias se fundam na impressão, produzindo a crença na realidade daquilo que é representado. A história existe objetivamente, mas é produto da cristalização de crenças, de representações humanas. Assim como Locke, Hume explica a noção de substância como resultado de um processo associativo, mas acrescenta a idéia de que “eu” (self) também é uma coleção de impressões, sem resultado substancial, constituindo uma concepção da natureza humana que se afasta do jusnaturalismo. A teoria do conhecimento de Hume parte de um ceticismo que declara o fim da metafísica, ou da possibilidade do conhecimento da verdade metafísica, e das idéias claras e distintas do cogito cartesiano.

Hume adverte, entretanto, que o ceticismo extremado não tem influência constante sobre o espírito ou benéfica à sociedade. Ele explica que, felizmente, a ação humana não é interrompida pelo triunfo universal deste princípio, porque o primeiro e mais banal evento da vida coloca o cético no mesmo nível dos filósofos de todas as outras seitas e dos homens que nunca se preocuparam com filosofia*. O ceticismo de Hume, ao estabelecer como princípios crenças sem juízo de valor, parece conseguir evitar o dogmatismo.

A partir de seu empirismo psicológico, imerso na subjetividade, Hume desenvolve sua doutrina de que a causalidade não passa de um habitual processo associativo, uma impressão de que existe uma relação causal entre dois fenômenos somente porque um ocorre após o outro. Dessa forma, ele adota a crença como base de todo conhecimento natural, restringindo à matemática os processos de estruturação lógica. Adotando a crença na existência do mundo exterior, das outras mentes e do curso independente e regular da natureza**, David Hume descarta as bases racionais do entendimento humano, ancorando-o na força do hábito. Ao contrário das crenças de Locke e Montesquieu, para Hume a vida humana é mais regida pelo acaso que pela razão: a razão é e deve ser escrava das paixões.

* HUME, David. (1999), Investigação Acerca do Entendimento Humano. Seção XII: Da Filosofia Acadêmica ou Cética.
** LESSA, R. (2004), “A Condição Hum(e)ana e seus Ensaios”, in David Hume, Ensaios Morais, Políticos e Literários. Rio de Janeiro: Topbooks, pp. 11-46.

terça-feira, agosto 21, 2007

Epistemologia e Teoria Política em John Locke

John Locke investiga no Ensaio sobre o Entendimento Humano o modo como o homem adquire conhecimento das coisas, no intuito de estudar seu comportamento. A teoria do conhecimento de Locke é marcada por uma peculiar relação entre racionalismo e empirismo. Sua concepção de lei natural parte da convicção de que o universo pode ser compreendido racionalmente, mas também sugere que tal empresa somente é possível a partir da experiência. Adotando o argumento do maker’s knowledge, em que só podemos conhecer aquilo que criamos, para Locke não há uma ciência natural, pois se podemos conhecer a matemática e a moral por meio de suas causas, é estritamente pelos efeitos que conhecemos a natureza.

Com sua famosa assertiva de que a alma é uma tabula rasa, Locke se afasta da tradição cartesiana de que as idéias são inatas, considerando-as como tudo o que se pensa ou se percebe a partir da vivência. As percepções são sensações, que podem gerar reflexões. As idéias simples surgem diretamente dos sentidos e da reflexão, enquanto as idéias complexas resultam da atividade da mente, por associação das idéias simples, e se fundam na memória. Dessa forma, todas as idéias, inclusive a de substância e a própria idéia de Deus, procedem da experiência, mediante sucessivas abstrações e associações. O empirismo de Locke limita a possibilidade de conhecer, iniciando uma desconfiança em relação à faculdade cognoscitiva que culmina no ceticismo de David Hume*.

Pode-se buscar complementaridade entre o Ensaio e os Dois Tratados sobre o Governo, entre a filosofia e a política na obra de Locke. No entanto, ele próprio se empenhou para que fossem consideradas em separado, aplicando à sua teoria política um hábil e bem-sucedido método empírico, baseado no senso comum**. Locke busca um fundamento para o poder legítimo para refutar o argumento teológico de Sir Robert Filmer, rejeitando seu patriarcalismo e sua defesa do absolutismo monárquico. Partindo do estado de natureza de Hobbes, Locke assume a racionalidade como o diferencial que elimina o estado de guerra, a possibilidade da morte violenta, permitindo a coordenação dos direitos políticos e a garantia da liberdade.

Já escrevi, com outra finalidade, a respeito da teoria política em John Locke.

* MARÍAS, Julián. (2004). História da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes.
** LASLETT, Peter. (2001). “Introdução”. In: LOCKE, John. Dois Tratados sobre o Governo. São Paulo: Martins Fontes, pp. 1-179.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Amenidades: Ensaio sobre outro castelo

Castelo é o nome da peça central de uma torneira. Outro dia, um amigo meu (sei, sei...) precisou trocar um castelo e chamou o Edwilson, vulgo Mike Tyson, que trabalha em uma loja de material de construção.

Eu já contei a história do quiosque na praia, quando o Paulinho Pé-de-cabra ensinou como as variações cambiais afetam toda a cadeia produtiva da água de côco. Na mesma ocasião comentei o caso do catador de latas que conhecia o mercado de commodities. Também já ouvi um papo de que a idéia de aumentar a boca da long neck de cerveja foi de um ambulante. Conhecimentos populares de economia, finanças e marketing que fariam os estagiários do Centro do Rio afrouxarem suas gravatinhas, enquanto gotas de suor escorressem de suas axilas devidamente aparadas na vã esperança de, oportunamente, colocarem-se a ver despidos.

O Mike Tyson, depois do conserto, sugeriu que a torneira não fosse torcida até o final, porque isso danificaria a carrapeta, o castelo, sei lá. Meu arrogante amigo respondeu como segue.

- Pô, mas isso não depende de mim, eu não moro sozinho!

Para o que o Mike ponderou:

- É muito raro, na vida, um problema que não dependa dos outros para que seja resolvido.

No próximo post, a mesma chatice de sempre.

terça-feira, agosto 14, 2007

Locke, Hume & Montesquieu

Le Serment des Horaces: Jacques-Louis David. Museu do Louvre, Paris.

Mesmo se optarmos por suspender o juízo acerca do que é a verdade, podemos investigar a nós mesmos e a nossas contingências a partir da indagação epistemológica sobre o que é verdadeiro, buscando diretamente na experiência humana nossos conceitos e idéias. É na história que observamos, de tempos em tempos, as conseqüências de idéias provenientes do indissolúvel conflito das filosofias. É justamente na experiência humana que a filosofia se faz política, incessantemente construindo mundos imaginários que influenciam a organização da sociedade, por meio da qual, segundo Aristóteles, o homem se realiza.

A opção pelo caminho da experiência humana encontra, invariavelmente, John Locke, David Hume e Montesquieu. A importância do estudo de suas teorias está, sobretudo, na influência das idéias destes homens sobre a vida, na força com a qual seus mundos imaginários dirigiram o rumo da história, desde as revoluções liberais. O empirismo inglês se opõe à escolástica medieval, afastando-se, até certo ponto, das questões rigorosamente metafísicas, e se diferencia da filosofia do racionalismo, desenvolvendo um método indutivo e sensualista. O racionalismo jusnaturalista, presente em Locke, sofre o baque do ceticismo de Hume, mas volta em Montesquieu para compor, ao lado do empirismo, as bases do iluminismo francês. Em perspectiva política, nasce desta composição a ideologia partidária da liberdade, do governo representativo e da tolerância, que constitui o Norte da vida do homem ocidental desde então.

Entretanto, como se sustenta essa ideologia? Por que cremos nela? Vamos tentar estudar as bases filosóficas de Locke, Hume e Montesquieu, e suas teorias políticas, para lançar um pouco de luz sobre estas perguntas.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Maquiavel esbofeteia a Fortuna

Maquiavel depositou na história da filosofia política uma boa dose de sua própria virtú, estudando a natureza do homem em ação, inserido na diversidade dos acidentes, inscrito em sua contingência. Por meio do seu método de observação da história, preocupado com a projeção de cenários para a inevitável decisão do príncipe, ele atribuiu à política uma acepção de poder e dominação, diferente daquela contida na filosofia grega. A despeito dos planos da Fortuna, a abordagem de Maquiavel delineou a trajetória do pensamento político, que sairia do renascimento italiano, passaria pelo empirismo inglês e chegaria ao iluminismo na França.

Por gentileza, me acompanhe até os fundamentos das instituições políticas do mundo ocidental. Cuidado com o estribo para subir na carruagem.

segunda-feira, agosto 06, 2007

Ensaio político sobre castelos de areia

Um aspecto interessante das ciências humanas é que, apesar de parecer contra-intuitivo para alguns, as investigações neste campo possuem extremo rigor metodológico. O rigor é tanto que Montaigne precisou criar um estilo, o ensaio, para que pudesse respirar um pouco dos ares literários. Francis Bacon declarou, ouvi dizer, que o verdadeiro inventor do seu método foi Maquiavel. Este, por sua vez, refundou o pensamento político resolvendo um problema incrivelmente prático: centenas de assassinos sangüinários poderiam invadir seu castelo a qualquer momento. Thomas Hobbes, impressionado com a evolução das ciências naturais, se esforçou tremendamente para utilizar um pouco de método, como ele mesmo diz no Leviatã, para chegar ao mais desconcertante lugar-comum: o mandamento cristão de amar ao próximo como a si mesmo.

Nascidos em uma realidade na qual certas idéias estão sedimentadas, muitas coisas que nos parecem óbvias não eram assim há alguns anos atrás, e podem deixar de sê-lo daqui a algumas décadas. Acho relevante procurarmos sempre quais são as crenças que mantém nossas instituições políticas em pé, inclusive por meio da razão. Nossos castelos estão sendo bombardeados, e as catapultas estão acertando na base.

quinta-feira, julho 19, 2007

República Democrática do Brasil

Um professor me disse, certa vez, que eu deveria desconfiar de toda propaganda corporativa. Se uma empresa “zela pela saúde de seus funcionários”, cuidado, você vai ficar doente. Ver uma placa com “125 dias sem acidentes” é porque você vai morrer. O mesmo ocorre na propaganda estatal. Se você mora em uma “República Democrática”, foge. Olha isso:

- República Democrática Alemã (antiga Alemanha Oriental);
- República Democrática Popular da Coréia (do Norte é claro);
- República Democrática do Congo;
- República Democrática do Timor-Leste;
- República Democrática do Povo da Argélia;
- República Federativa Democrática da Etiópia.

Por isso acho que devemos tomar cuidado com a busca por uma TV mais “democrática”. Se já não é consensual o uso de recursos públicos para sustentar uma TV pública, é extremamente controversa a criação de uma TV estatal, o que é muito diferente.

A TV Brasil vem aí. A RCTV, bem ou mal, ao menos está voltando ao ar. Eu vou ler um livro.

domingo, julho 15, 2007

Impossible is Nothing

Nadia Comaneci & Nastia Liukin.

domingo, julho 01, 2007

Samsung, Daewoo, Hyundai & Telefónica, Repsol, Santander

Há anos o Brasil não assina qualquer acordo comercial relevante, seja multilateral ou bilateral. Uma evidência de que são as empresas que exportam, e não o governo. Assim como são elas que geram empregos, e não as políticas públicas. O que cabe à política externa, do ponto de vista comercial, é a criação das melhores condições possíveis para que as empresas prosperem e os indivíduos tenham acesso aos mercados.

Uma oportunidade que se coloca hoje ao Brasil é a de assumir um posicionamento estratégico a favor do Estado de Direito, da democracia liberal, como fizeram Espanha e Coréia do Sul, por exemplo, nas últimas décadas. A Espanha adotou importantes reformas liberais, inclusive nas relações de trabalho, alcançando um lugar ao lado dos países mais desenvolvidos, após muitos anos de crescimento econômico contínuo. Grande parte do sucesso da Coréia do Sul é devida ao volume de recursos proveniente dos EUA, que não permitiriam um fracasso econômico ou político àquela altura da Guerra Fria.

Nossa oportunidade nasce com a ameaça do chavismo. Como disse José Maria Aznar, recentemente, temos suficiente experiência histórica para saber que o neo-socialismo latino-americano é um conjunto de idéias caducas: de populismo revolucionário, neo-estatismo, indigenismo racista e militarismo nacionalista. O Brasil deve ocupar uma liderança entre os países em desenvolvimento claramente contrária a estas idéias. Adotando o discurso de Aznar, devemos assumir a liderança de um caminho de abertura ao mundo, de respeito das liberdades individuais e da vigência do Estado de Direito. Uma posição que pode atrair investimentos, incentivar o empreendedorismo e a criação de empregos, gerando crescimento e reduzindo a pobreza. "Un camino de éxito, democracia y libertad."

Talvez seja um bom momento para começarmos uma mudança. Na arena política temos Chávez ameaçando o Mercosul e preparando-se para uma guerra de resistência contra os EUA. Por outro lado, nossos amigos portugueses assumem a União Européia. O quadro econômico se resume no fracasso da Rodada de Doha e do G-20, afastando os EUA para a Ásia mais uma vez. Talvez uma posição definitiva contra o neo-socialismo chavista, respaldada por um reforço das relações com Argentina, Uruguai e Paraguai, ajude a retomar as negociações com EUA e UE.

Enquanto isso, empresas espanholas e coreanas fazem cada vez mais parte do cotidiano de pessoas no mundo inteiro.

quarta-feira, junho 20, 2007

Você tem 90 segundos...

... para rever 5.000 anos de impérios...




... ou para rever 5.000 anos de religião.

quarta-feira, junho 06, 2007

Core Business

A Companhia Vale do Rio Doce vai bem. Roger Agnelli, seu presidente, solicitou gentilmente que o governo saia da frente, para destravar o crescimento da economia. Entre outras coisas, ele explicou:


"- Temos que definir melhor os papéis da União, dos Estados e Municípios."

"- Um ponto importante é que a gente tenha regras claras, simples e objetivas, para serem cumpridas."

"- Qual é o core business do Estado? Eu acho que é educação, saúde, segurança e infra-estrutura para melhoria da qualidade de vida das pessoas."

terça-feira, maio 29, 2007

Idéias têm conseqüências

Esse texto do Sr. Wallerstein, como era de se esperar, tenta fazer uma interpretação marxista das relações internacionais americanas, desde 1873. Ele procura explicar o processo histórico como uma resultante do conflito entre as forças produtivas, pautado exclusivamente pelo interesse econômico. A tentativa fracassa, porque o resumo de um século em doze páginas de materialismo histórico acaba tornando o texto nada mais que um panfleto ideológico, recheado de anti-americanismo. Eric Hobsbawm, outro historiador marxista, ao menos dedicou um livro inteiro ao assunto.

Max Weber e eu discordamos que a economia move a história per se, como queria Marx. Weber demonstrou, por exemplo, o surgimento do capitalismo a partir do protestantismo ascético. Eu, infelizmente, ainda não demonstrei coisa alguma, mas suspeito que as guerras, inclusive a Fria, não foram exclusivamente grandes buscas por mercados. Há poder, política, valores, religiões, em resumo, há idéias envolvidas. E "idéias têm conseqüências".

domingo, maio 20, 2007

O Novo Institucionalismo em Debate

O Novo Institucionalismo é um programa de pesquisa que tem como objetivo estudar a natureza das instituições e suas implicações para a sociedade, para investigar as causas das diferenças entre os desempenhos de diversas economias. Seus teóricos buscam desenvolver um modelo de análise econômica, política e social, cuja premissa é adotar as instituições como variáveis explicativas do desenvolvimento econômico e do processo histórico.

Apesar da motivação comum, não se trata de uma corrente de pensamento unificada. Hall & Taylor apresentam três escolas de pensamento: institucionalismo histórico, institucionalismo da escolha racional e institucionalismo sociológico. Os institucionalistas históricos não consideram as instituições como o único fator de influência na vida política. As instituições fazem parte de uma cadeia de causas e efeitos que leva em consideração outros fatores, como a difusão de idéias e o desenvolvimento sócio-econômico. Os seguidores do institucionalismo da escolha racional ressaltam a importância dos direitos de propriedade e dos custos de transação para o desenvolvimento econômico, partindo do pressuposto que os indivíduos se comportam de modo utilitário na maximização de suas preferências. As instituições reduzem as incertezas, estabelecendo uma estrutura estável para a interação dos agentes que reduz os custos de transação, influenciando o desempenho econômico. Por fim, os institucionalistas sociológicos tendem a definir as instituições de maneira ampla, incluindo não só as regras, procedimentos e normas, mas também os símbolos, esquemas cognitivos e modelos morais que guiam a ação humana, estabelecendo uma relação sistêmica entre indivíduos e instituições, na qual os atores utilizam os modelos institucionais disponíveis, ao mesmo tempo em que os confeccionam.

Os principais críticos do Novo Institucionalismo alegam que seus autores falham na tentativa de endogeneizar totalmente as instituições no modelo de desenvolvimento econômico. Argumentam que o modelo neoclássico apresenta quatro categorias de variáveis exógenas (preferências, tecnologias, dotações e regras), e não três; e que o programa contém ambigüidades quando tenta explicitar como as instituições respondem às mudanças dos parâmetros exógenos. As críticas questionam a adoção das instituições como ponto de partida das mudanças no processo histórico, apresentando padrões de desenvolvimento moldados pelo ambiente dado exogenamente, tais como aqueles relacionados à geografia. Outra indagação relevante dos críticos reside no entendimento do comportamento humano, ao observarem que a obediência às regras não pode ser explicada exclusivamente por meio de princípios utilitaristas.

O Novo Institucionalismo avança no estudo da importância das instituições para os aspectos econômicos e políticos em uma sociedade, agregando as contribuições dos críticos, debatendo sobre o comportamento humano e destacando a relevância das instituições no processo histórico. A meu ver, ao introduzir o conceito de incerteza nas premissas neoclássicas a respeito do comportamento humano, como fez Douglass North, por exemplo, o institucionalismo da escolha racional admite que os indivíduos agem com base em modelos subjetivos da realidade, de forma que seu comportamento é mais complexo do que a simples maximização de utilidade. Ao adotar outros fatores, além das instituições, como determinantes dos processos políticos e econômicos, os autores do institucionalismo histórico admitem que o desenvolvimento econômico não é conseqüência exclusiva da evolução institucional. Ao estabelecer uma relação sistêmica entre instituições e outras variáveis, incluindo aquelas relativas ao campo da cultura, o institucionalismo sociológico abandona o raciocínio linear de causa e efeito entre as instituições e o desenvolvimento econômico, admitindo círculos de feedback entre as diversas variáveis do modelo.

sábado, maio 12, 2007

A Escola de Atenas

Platão ou Aristóteles? Deixa pra lá, vamos suspender o juízo... Como vai o mengão?

Richard Popkin, na História do Ceticismo de Erasmo a Spinoza, escreve sobre duas concepções de ceticismo: acadêmico e pirrônico. Nascido na Academia grega (300 a.C.), o primeiro defendia que nada se pode conhecer. O segundo, com referências a Pirro de Élis (360 a 275 a.C.), voltou ao debate com a tradução dos textos de Sexto Empírico, no século XVI. Sua pretensão é opor diferentes dogmas em julgamento, até que seja necessária a suspensão do juízo. Seus seguidores alegam que o ceticismo acadêmico é tão dogmático quanto qualquer outra filosofia, porque não coloca em dúvida seus próprios argumentos.

É muito raro, mas de vez em quando aparece um suposto filósofo, por igual supostamente cético. Em geral, bem menos investigatório que nos idos parágrafos, precipitado na suspensão do debate, descompromissado com a ética, enquanto prefere não escolher. Quando o Papa Bento XVI defende sacramentos e virtudes cristãs em seus discursos, o iluminado cético da atualidade fica apavorado com a “dureza” de suas palavras, espera que a Igreja seja mais “flexível” e ridiculariza seus dogmas “arcaicos” religiosos. Esquece ele, entretanto, que a filosofia também é um conflito de crenças e dogmas, que escoram e movem o mundo. Se todos virarem céticos, o mundo pára e desaba.

segunda-feira, abril 30, 2007

The Bloody Old Nick

Jean-Jacques Rousseau, n’O Contrato Social, nota que Nicolau Maquiavel era um “homem honrado e bom cidadão”, e que “fingindo dar lições aos reis, deu-as, e grandes, aos povos”. Ele completa elegendo O Príncipe como “o livro dos republicanos”. Imagino que o Sr. Isaac Rousseau, seu pai, não utilizasse o termo “maquiavélico” apenas para os casos em que os fins justificassem os meios:

“ - Meu filho, seja mais maquiavélico.”, aconselhando Jean-Jacques a ser um pouco mais astuto, e a enfrentar os guris maiores na escola com virtú;

“- Menino deixe de ser maquiavélico!”, quando o pequeno J.J. fazia fita adotando uma boa dose de ego-antropocentrismo renascentista;

“- Sejamos maquiavélicos, pessoal.”, tentando aplicar um pouco de método científico para resolver um problema essencialmente político do cotidiano familiar, como decidir o programa da tarde de domingo;

“- Vá plantar batatas!”, colocando o jovem Rousseau de castigo, aplicando a máxima da dominação tirânica, a de que é melhor ser temido do que amado.

Por essas e por outras, muita gente acha injustiça dos ingleses o uso da expressão Old Nick.

segunda-feira, abril 23, 2007

"You never know how Beethoven is going to affect someone"

Para Luiza e sua Vovó.

Amenidades: 7 Maravilhas

Não votei na campanha das New 7 Wonders"™", mas listei minhas human-built maravilhas das 10h59min de 23/04/07:

1. Família;
2. Dipirona sódica;
3. Formule #1: pain, vin, fromage, chocolat (roubei nessa, e daí?);
4. Música de câmara;
5. Metas;
6. Internet;
7. Surfe.

domingo, abril 15, 2007

A Terra Prometida

The Economist e The Mckinsey Quarterly estão falando sobre as promessas da nossa terra.

A primeira faz aquela velha pergunta: se o Brasil é grande, democrático, com economia estável e rico em recursos, por que cargas d'água não está indo muito melhor? E acaba na conclusão de que "the main obstacle to progress is the state itself".

A Mckinsey fala sobre as oportunidades de negócio no provável Brasil investment-grade, com a ressalva de que grande parte do otimismo vem da força do mercado de commodities. E chega a enumerar cinco prioridades para alcançarmos 7% a.a. do PIB:
1. Combater a economia informal que prejudica a concorrência;
2. Reduzir as despesas do governo, que resultam em alto nível de impostos e baixo de investimentos;
3. Ganhar eficiência no sistema judicial e em outros serviços públicos;
4. Infra-estrutura.

Seria mais do mesmo, não fosse o tema da quinta prioridade da Mckinsey, que também está na Economist. Trata-se da necessidade do comprometimento do País com essas idéias. Um comprometimento que torna urgente uma mudança cultural, para uma visão de sociedade que não projete a solução de todos os seus problemas no Estado.

domingo, abril 08, 2007

sexta-feira, abril 06, 2007

Contra o neo-socialismo: livre comércio.

A Fundación para el Análisis y los Estudios Sociales (FAES), dirigida pelo ex-Presidente del Gobierno espanhol José María Aznar, publicou recentemente o documento "América Latina: una agenda de Libertad". Me chamaram a atenção a dureza contra o "socialismo do século XXI", e as propostas para que as nações latino-americanas fortaleçam suas relações com a Península Ibérica e com os Estados Unidos. Me parece uma grande oportunidade para a Rodada de Doha.

No lançamento, Aznar falou sobre a condição ocidental da América Latina:

"Occidente es un sistema de valores universales. Esos valores han permitido los mayores avances de la humanidad. Son valores que se basan en un concepto de la persona como ser libre y responsable, titular de una dignidad inalienable y de unos derechos fundamentales previos a cualquier sistema político. La democracia, el Estado de Derecho, los derechos humanos y las libertades individuales son los principios que se encuentran en el corazón mismo de la civilización occidental.
(...)
Ante América Latina se abren dos caminos opuestos. Un camino aleja de las sociedades abiertas, libres y prósperas. Tenemos suficiente experiencia histórica para saber cómo acaba esa ruta. Quienes hoy proponen seguir esta vía se nutren de ideas caducas: del populismo revolucionario, del neoestatismo, del indigenismo racista y del militarismo nacionalista. Ninguna de ellas es desconocida en Iberoamérica.
(...)
No hay destinos ineludibles ni maldiciones en la Historia. América Latina puede avanzar por la vía que han recorrido los países que tienen éxito. El camino de la apertura al mundo, de la democracia, del respeto por las libertades individuales y de la vigencia efectiva del Estado de Derecho. Un camino que atrae inversiones, genera crecimiento, incentiva a los emprendedores, crea empleo y reduce la pobreza. Un camino de éxito, democracia y libertad."

Vale a pena passar os olhos no documento e assistir ao vídeo do lançamento. Afinal, a Espanha cresce ininterruptamente há mais de 30 anos.

domingo, abril 01, 2007

Parceria Público-Privada (PPP)

No Brasil, Parceria Público-Privada é o seguinte:

O poder público cria um caos aéreo e as empresas aproveitam para fazer lotação, desprezando os consumidores. Daí, os nacionalistas torcem para uma empresa brasileira comprar a Varig, descartando os benefícios da concorrência. Depois, a opinião pública concorda que pouca gente usa avião, ignorando o conceito de logística. Por fim, públicos e privados reclamam da velha herança maldita.

Enqüanto o negócio é comigo, tudo bem. Eu agüento desprezo, "nacionalismo" e ignorância. Posso me defender, votar e até dar o fora daqui (de navio). Mas esse papo de "herança maldita" é um desrespeito a todas as nossa árvores genealógicas. Algum senhor de cartola e monóculos devia dar umas bengaladas nesses moleques.

domingo, março 25, 2007

Soluções institucionais

O professor Douglass North, prêmio Nobel em economia no ano de 1993, esteve no Brasil em 2006. Li Institutions, Institutional Change and Economic Performance, de 1990, e não pude deixar de pensar em suas implicações para o caso brasileiro.

A motivação de North, como ele descreve nesse livro, é desenvolver um modelo analítico para integrar a análise institucional à economia e à história econômica, através do estudo da natureza das instituições e de suas conseqüências econômicas, para investigar as diferenças entre os desempenhos de diversas economias no tempo.

Os principais elementos subsidiários da idéia central são os conceitos de instituição, incerteza e de custos de transação. As instituições são as regras do jogo na sociedade, que estruturam incentivos para as trocas entre os agentes, sejam políticas, sociais ou econômicas. As mudanças institucionais dão forma à evolução das sociedades, por isso são determinantes no processo histórico. North introduz o conceito de incerteza nas premissas neoclássicas relativas ao comportamento humano. Argumenta que os indivíduos agem com base em informações incompletas, em modelos subjetivos da realidade, de forma que seu comportamento é mais complexo do que a simples maximização de riqueza individual. O conceito de custo de transação tem origem no trabalho de Ronald Coase, mais um Nobel. Para North, trata-se do custo de não conhecermos os atributos do objeto de troca, como não sabemos, por exemplo, tudo sobre a indústria têxtil quando compramos uma camisa; e do custo da garantia dos direitos de propriedade sobre o objeto, da certeza do cumprimento do contrato de troca. A idéia central é a de que as instituições reduzem as incertezas, estabelecendo uma estrutura estável para a interação dos agentes, com custos de transação reduzidos, favorecendo o desempenho econômico.

Acredito que o aprimoramento institucional é um ponto de alavancagem, uma pedra angular para a solução de diversos de nossos problemas econômicos. Com a estabilidade das regras e a garantia de que os contratos serão cumpridos, reduziremos incertezas e custos de transação, estimulando empreendedorismo e inovação, motores do desenvolvimento econômico. Disse que "acredito", mas pretendo transformar esta crença em proposição, me aprofundando no assunto e estudando suas consequências para a dimensão política, além da econômica, em busca de soluções institucionais.

sábado, março 17, 2007

La razón latino-americana

Enquanto os latino-americanos perdem "La Razón", ameaçada de virar estatal, os chineses entendem que é por meio da propriedade que abandonamos o estado de natureza e formamos a sociedade civil. A propriedade é a representação concreta dos direitos, a liberdade é o compromisso com a responsabilidade dos deveres. O comunismo chinês ensaia abrir as comportas do primeiro. O socialismo chavista do século XXI é a negação de ambos.

A foto não é de La Paz. É Hong Kong.

quarta-feira, março 07, 2007

Mini Earthquakes, Warning Crack, Lions & Bulls.

De Martin Wolf, no Financial Times, sobre a volatilidade do mercado nos últimos dias:

"É muito melhor, como os naturais de São Francisco devem saber, sofrer uma série de pequenos terremotos, do que um longo período de calmaria seguido de um enorme movimento de terra".

Na mesma edição, nesse vídeo, George Soros fala muito melhor sobre mercado financeiro do que sobre política.

Para ficar na crista da onda, venho acompanhando o Marketbeat, do Wall Street Journal. Só acompanhando, é claro. Afinal, nosso Leão não deixa nada para o Touro aí do lado.

domingo, março 04, 2007

Vendo meu voto por segurança pública

Somos responsáveis pela legitimidade concedida ao Estado, por meio do processo democrático, para o uso do monopólio da violência. Em palavras menos sociológicas, elegemos governos para sermos protegidos de nós mesmos. Portanto, a segurança dos cidadãos deve ser sempre matéria prioritária, tanto na elaboração das leis quanto na alocação dos recursos necessários para que elas sejam cumpridas.

Para combater a violência é preciso extirpar a impunidade de nossa sociedade, impetuosamente. Concordamos com isso, é lugar comum. Mas quando nos atinamos da etimologia de “impunidade”, e entendemos que será necessário punir o criminoso severamente, como se faz no primeiro mundo, caímos na relatividade da reabilitação, da ressocialização, do debate sobre direitos, inclusão social e toda aquela cantilena do mundo medíocre em retrocesso. O Riobodycount (inspirado no Iraqbodycount) publica hoje a marca de 271 mortos e 150 feridos, desde 1º de fevereiro de 2007. Mais uma idéia interessante que não consegue deixar de se corromper requerendo “inclusão social”.

O Governador Sérgio Cabral me surpreendeu positivamente com a proposta federalista sobre a legislação. Vendo meu voto por uma proposta ultra-federalista, com polícia unificada estadual. Não tenho dúvidas de que teríamos melhores serviços por menos impostos.

E eu também acho isso e isso.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Antonin Dvorak - Romance

Que mal faria Itzhak Perlman aos nossos ouvidos durante esses dias de carnaval?

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Um prado de açucenas

Já transcrevi um trecho de Salomé aqui, na versão de Oscar Wilde. Mas eu ainda não conhecia, e compartilho agora, as palavras irretocáveis de Eça de Queiroz sobre o mesmo tema:

"Maqueros, a mais altiva fortaleza da Ásia, erguia-se sobre pavorosos rochedos de basalto. As suas muralhas tinham cento e cinqüenta côvados de altura; as águias mal podiam chegar até onde subiam as suas torres. Por fora era toda negra e soturna; mas dentro resplandecia de marfins, de jaspes, de alabastros; e nos profundos tetos de cedro os largos broquéis de ouro suspensos faziam como as constelações de um céu de verão. No centro da montanha, num subterrâneo, viviam as duzentas éguas de Herodes, as mais belas da terra, brancas como o leite, com crinas negras como o ébano, alimentadas a bolos de mel, e tão ligeiras que podiam correr, sem lhes macular a pureza, por sobre um prado de açucenas. Depois, mais fundo ainda, num cárcere, jazia Iocanã - que a Igreja chama o Batista."

Está em A Relíquia.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

A perspectiva ética – parte 3/3

Resumo do capítulo de introdução do livro "Vícios Privados, Benefícios Públicos?", Eduardo Giannetti da Fonseca.

A história das idéias revela a existência de pelo menos três importantes correntes de pensamento filosófico econômico nas quais a explicação do hiato – da distância entre o que somos e o que aspiramos ser – é atribuída a fatores predominantemente morais e ligados à conduta individual.

A primeira delas é examinada e rejeitada no primeiro capítulo. Trata-se da tese do “neolítico moral”, segundo a qual os problemas têm origem na disparidade entre o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico, por um lado, e a falta de desenvolvimento moral, pelo outro. A segunda enfatiza a importância da moralidade cívica como fator de sobrevivência comunitária e do grau de coesão social. A terceira corrente procura mostrar o papel da moral no desempenho das economias nacionais.

O argumento central de Giannetti, segundo ele mesmo coloca, pode ser resumido em duas proposições básicas: 1) as regras do jogo e a qualidade dos jogadores são os dois elementos essenciais de qualquer sistema econômico; e 2) a qualidade dos jogadores – as variações de motivação e conduta na ação individual – afeta a natureza das regras do jogo e exerce, juntamente com elas, um papel decisivo no desempenho da economia. Se 1) e 2) podem ser aceitas, então a tese que se tornou dominante na teoria econômica do pós-guerra – a noção de que o auto-interesse dentro da lei basta, e as regras do jogo do mercado significam férias morais para os jogadores – deve ser rejeitada. A mão invisível de Adam Smith continua válida, mas a base comportamental adequada para que ela possa funcionar a contento precisa ser melhor compreendida. O paradoxo do egoísmo ético – “vícios privados, benefícios públicos” – cede lugar ao aforismo: virtudes privadas, benefícios públicos.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

A perspectiva ética – parte 2/3

Resumo do capítulo de introdução do livro "Vícios Privados, Benefícios Públicos?", Eduardo Giannetti da Fonseca.

No campo da economia normativa e da filosofia política, existem diversas estratégias alternativas de argumentação visando justificar racionalmente as noções de que uma dada sociedade: 1) não vive à altura de sua plena ou melhor capacidade (“hiato”); 2) é capaz de atingir por si mesma, mediante procedimentos logicamente consistentes e exeqüíveis, uma situação mais próxima do desejável (“receita”).

Alguns autores, como por exemplo os fisiocratas franceses e os neoliberais austríacos, atribuem basicamente a existência do hiato à disseminação e persistência de “erros intelectuais” que podem ser corrigidos mediante o debate e a persuasão. Outra vertente, diferente da primeira, acentua as “falhas sistêmicas” na base da organização econômica da sociedade e identifica receitas mais ou menos radicais para eliminá-las. Os marxistas, por exemplo, acreditavam que somente a abolição da propriedade privada dos meios de produção permitiria criar uma sociedade sem exploração. Os keynesianos, por sua vez, apontam para outro tipo de falha sistêmica na base da economia capitalista e propõem o uso da política fiscal e monetária para sustentar a demanda agregada e garantir o pleno emprego. Uma terceira estratégia, desenvolvida pelos adeptos da teoria da escolha pública, busca explicar o hiato como resultado do “conflito de interesses” no processo decisório democrático.

No caso dos “erros intelectuais” os descaminhos da sociedade moderna são atribuídos a preconceitos, falsas idéias, superstições e crenças promulgadas por intelectuais equivocados. As “falhas sistêmicas” e o “conflito de interesses” enfocam o sistema como um todo ou certas instituições impessoais, sem criticar a ética e a conduta individual. Embora essas estratégias adotem como premissa um intervalo remediável entre o que é e o que deve ser, nenhuma atribui a fatores de ordem moral a relevância devida no diagnóstico do hiato ou na receita adequada para sua redução.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

A perspectiva ética – parte 1/3

Resumo do capítulo de introdução do livro "Vícios Privados, Benefícios Públicos?", Eduardo Giannetti da Fonseca.

A ética lida com aquilo que pode ser diferente do que é. Em contraste com a ótica estritamente científica dos fenômenos, dentro da qual apenas o que acontece é possível, o ponto de vista moral abre uma brecha para a possibilidade de que o mundo como ele é esteja aquém do mundo como ele pode e deve ser. A abordagem ética parte da crença na existência de uma fissura separando a realidade humana do potencial humano. E qualquer ato simples de escolha ultrapassa a esfera de competência do pensamento científico.

Falar em ética é falar em escolha individual. E falar em escolha humana é falar na nossa inescapável falibilidade no pensar e agir. Ética, liberdade de escolha e falibilidade são conceitos ligados de modo inextrincável.

domingo, janeiro 21, 2007

Buchanan, Musgrave, Giannetti, Marías, Dostoiévski & Márcio Guilherme

Márcio Guilherme é um grande amigo de debates, e de longa data. Também é consultor para assuntos literários. Já liguei para ele, de dentro da livraria, para perguntar quais eram as melhores edições de um Julián Marías e de um Dostoiévski.

Há anos ele insiste que eu tenho que ler Vícios Privados, Benefícios Públicos?, do Eduardo Giannetti da Fonseca. Ele tinha razão. Estou lendo e pretendo explorar o assunto nos próximos posts.

Recentemente, ele indicou o blog Marginal Revolution. Ontem encontrei lá um debate entre James Buchanan e Richard Musgrave: Two Contrasting Visions of the State. As horas de vídeo e os semblantes acadêmicos na platéia impressionam, mas você acaba se envolvendo e avançando nos dias de disputas quodlibetais.

sábado, janeiro 20, 2007

Rural Willys em Desenvolvimento

Franderland é um advogado talentoso, casado, três filhos, um carro para cada e uma mansão no bairro mais nobre da cidade. Gaetano é professor de uma universidade federal, solteiro, e adora fazer estilo com seu colete de fotógrafo e sua Rural Willys 1968. Ele só sai com ela nos fins de semana, meio bêbado, depois das palavras cruzadas do caderno de amenidades de seu jornal preferido. Eles se conheceram subitamente, em um cruzamento.

Os familiares do advogado apareceram logo, cada um com seu carro, e ficaram aliviados quando viram que a Mercedes do papai, ao contrário da Rural, estava intacta. O professor Gaê ficou muito irritado com tamanha injustiça social:
- Seu almofadinha-pequeno-burguês-neoliberal-capitalista! Não sabe dirigir?! Provocou, abestado.
- Calma. O seguro vai pagar. Disse o abastado.

Gaê decidiu dar uma lição de moral naquela família alienada, e começou a se dirigir ao filho mais novo, que usava uma camisa com a estampa ”Kyoto Protocol”, só para parecer cult e pegar as meninas da faculdade.
- Rapaz, por que cada um sair com um carro? Você não sabe que a terra está entrando em colapso climático por causa da emissão de gases?
Foi quando Franderland resolveu que aquilo já estava passando dos limites:
- Sua Rural Willys emite mais gases do que todo metano entérico produzido pela flatulência do rebanho do país inteiro por hora! Antes de falar o que eu tenho que fazer na minha casa, faça na sua!

No mesmo dia a ONU contratou centenas de burocratas. E o professor foi fumar maconha com seus alunos para discutirem geopolítica e segurança energética, sob uma ótica marxista-leninista. Depois desse dia, teve gente que declinou do Protocolo de Kyoto para fazer coisa melhor, e o escritório de Fran começou a negociar créditos de carbono na bolsa de Chicago.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Escolho, logo existo.

São recorrentes, nos meandros do poder, os petulantes monopólios da sabedoria e da correção moral. Os déspotas se consideram juízes supremos, os tiranos usurpam o poder para tomar as rédeas da história. Onde há homens, haverá soberba. Foi pela liberdade que Robespierre prometeu “fundar o império da sabedoria, da justiça e da virtude”.

Uma vez levado ao timão pelos tripulantes, o líder visionário se alimenta de populismo e faz crescer seus tentáculos. De animador de auditório, torna-se um ditador intransigente. Negligencia a preservação da liberdade, da vida e dos bens, direcionando sua energia para o controle. Encampa a propriedade, censura o pensamento divergente e abandona aqueles que não o seguem, em nome de pretensas doutrinas. Sempre considera que carrega consigo a visão da perfectibilidade humana, do certo e do errado por decreto. “Pátria, socialismo ou morte”, é um de seus juramentos. Outro, é o de não mais deixar o poder.

Esse “socialismo do século XXI” é antiético. Pois, se a ética lida com possibilidades, com escolhas, o livre-arbítrio é sua gênese. O homem escolhe, logo existe. Sacrificar a escolha individual no altar da perfeição infalível é escolher um mundo onde a experiência moral perdeu o sentido*. Ecoam, na América Latina, os equívocos intelectuais de Marx e Lênin. Que não ecoem, novamente neste ano, na Vila Isabel nem na Marquês de Sapucaí.

* Eduardo Giannetti da Fonseca. Vícios Privados, Benefícios públicos?

terça-feira, janeiro 09, 2007

Incoerência

Ouvi, certa vez, em uma palestra sobre desenvolvimento econômico, uma passagem da interessante vida de John Maynard Keynes. Dizia que ele fora questionado, em um programa de rádio, sobre a incoerência entre o que havia escrito e as idéias que estava defendendo então. Para o que ele respondeu:“Quando estou errado, eu mudo. E você?”.

Sempre aparece um grupo de políticos, ou partido, que se intitula detentor da ética. Depois vemos eleitores choramingando suas decepções e buscando, ingênuos, consolação no novo baluarte da moral. E assim segue o rebanho, dia após dia, mais preocupado com coerência do que com a verdade.

Como é bela a incoerência de não persistir no erro.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Pequeno conto para o Dia de Reis

Escreve Plutarco a respeito de Alexandre:

"A Fortuna, que sempre lhe era benevolente, tornava-o firme em seus propósitos: a sua coragem, em todas as empresas, dava-lhe aquela obstinação invencível que não somente atua sobre os inimigos, mas até sobre os lugares e o tempo."

Assim era um menino que conheci. Predestinado a se tornar um grande líder. Era sensível e generoso com os demais, sua curiosidade apontava sempre para o caminho da verdade, e ao seu lado o dia passava voando. Era como se, tão jovem, já soubesse que tudo tem seu tempo.

Cresceu buscando os meios para marcar seu nome na história, tentando descobrir sua vocação e realizar uma obra de vulto. Mas seu coração encheu-se de vaidade. Andou orgulhoso entre os círculos de poder e ao seu redor aglomerou-se uma multidão de bajuladores. Traiu seus amigos por mesquinharias, brigou com seus irmãos pela herança de seu pai, perdeu-se muitas noites na luxúria e vangloriou-se da riqueza e do sucesso.

A vanglória não é glória, por isso as trevas caíram sobre seus ombros e a Fortuna o abandonou. Sete tempos passaram enquanto o jovem promissor foi expulso do meio dos homens, comeu feno como boi, e o seu corpo foi molhado com o orvalho do céu, de sorte que lhe cresceram os cabelos como as plumas das águias, e as suas unhas tornaram-se como as das aves*.

Fé e razão romperam seu desatino e ele sonhou com Nabucodonosor diante dos muros da Babilônia e com as palavras do Rei Salomão: sapiens filius laetificat patrem**. Acordou pensando nos três Reis Magos curvando-se diante de Maria, de José e do menino Jesus.

Então, apaixonou-se por uma mulher virtuosa. Homem feito, sua alma atendeu o chamado: a grande obra para a qual havia nascido era a sua família. Sua mulher tem o sorriso de uma rainha que conversa com os anjos, a sabedoria de seus filhos o alegra, seus irmãos dariam a vida por ele, e seus olhos possuem o brilho dos de um general que venceu mais de mil batalhas.

* Profecia de Daniel, Capítulo 04, versículo 30.
** Livro dos Provérbios, Capítulo 10, versículo 01.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

The Alamo (2004)

The Alamo (1960)

A seguir, cena do Old Alamo. E aqui, trailer do filme.

O Álamo

Na segurança pública reside a justificativa da existência do Estado. Oferecer qualidade em educação, saúde ou em qualquer serviço público, sem segurança, é como arrumar o quarto de um filho morto.

Incapaz de garantir paz e justiça, o Estado se torna inviável, pois a sociedade deixa de ter motivos para delegar o poder de preservação da vida. Quebra-se a legitimidade do monopólio da violência, cada indivíduo reassume seus deveres na medida de seus valores morais, e organizam-se as milícias.

Em face do estado de natureza ao qual retornamos no Rio e em São Paulo, a Polícia Federal já poderia começar um mutirão para autorizar o porte de armas de fogo, conforme previsto em lei, para que as mães continuem a arrumar o quarto de seus filhos, vivos. A esperança de que a classe média não acabará por criar suas milícias não está no Far West, mas no bang-bang.