quinta-feira, agosto 31, 2006

Ode à mediocridade, honra ao mérito

Aristóteles (Estagiros, 384 a.C.- 322 a.C.) escreve sobre a "virtude do justo meio" no livro III, d'A Política: "A vida feliz consiste no livre exercício da virtude, e a virtude na mediania; segue-se necessariamente daí que a melhor vida deve ser a vida média, encerrada nos limites de uma abastança que todos possam conseguir."

Falta no discurso político brasileiro uma meta clara, uma visão para o país. Precisamos tornar concreto o que desejamos ser como brasileiros médios. Os americanos desenvolveram esta idéia, e criaram um produto que resume uma missão, desdobra uma visão, operacionaliza uma estratégia de forma direta: o sonho americano. Uma família, uma casa no subúrbio, um carro, um emprego e, quem sabe, um cachorro. A opinião pública americana se posiciona a favor de políticos, leis e guerras somente na medida que estejam alinhados a este brilhante objetivo central.

Se analisarmos todas as pessoas do mundo por suas alturas, será alta a probabilidade de obtermos uma distribuição normal. Do mesmo modo, se analisarmos pelo grau de merecimento em relação a qualquer coisa, será reduzido o número de pessoas que merece muito mais, ou que merece muito menos. Precisamente, 99,7% estarão entre mais ou menos 3 desvios padrões da média.

Observe que mirar na média não é uma retórica pela igualdade. Ao contrário do que nos fizeram crer até então, é pela liberdade que caminhamos até a justiça. Existe uma pequena diferença entre merecimento e mérito. Um é potencial, o outro é efetivo. Uma sociedade livre e justa é aquela que dá maior aderência entre o merecimento potencial e o mérito efetivo. Nesta sociedade, em que cada um tem o que merece, a igualdade é uma suave conseqüência da liberdade, em uma curva em forma de sino. Justiça é honra ao mérito.

terça-feira, agosto 22, 2006

Aux grands hommes, la patrie reconnaissante


Pedi ao garçom duas taças de Bordeaux no Café Pantheón, para contemplar o cair da noite com minha mulher, ainda mais linda em Paris e no início da gravidez. À esquerda, a torre Eiffel começava a acender, distante. Do outro lado da rua, a fachada da Universidade de Sorbonne: Liberté, Égalité, Fraternité. À direita, o Pantheón de Paris, que me retirou do estado de graça para mais uma chata e inócua reflexão pretensamente sociológica.

Reparei que as letras douradas sobre as colunas coríntias do edifício neoclássico se ordenavam em um admirável epitáfio. Estão enterrados ali Voltaire, Rousseau, Victor Hugo, Marie Curie, entre outros grandes nomes reconhecidos pela sua pátria através desta vultosa obra arquitetônica. Não havendo educação melhor que o exemplo, me senti inspirado para ser um grande homem. Brindamos e nos beijamos, Daniele e eu.

Hoje penso como seria difícil erguer um Panteão no Brasil. Pelo investimento também, mas sobretudo pela carência de nomes a serem enterrados. Ele seria construído, antes de qualquer esforço criativo, na Cinelândia, no Rio, seria superfaturado e ninguém acabaria preso por causa disso. A escolha fúnebre se daria em um programa de TV, através de votos via telefone e internet. Todos os escolhidos para o enterro seriam ídolos populares do esporte nacional.

A meu ver, só temos um nome: Machado de Assis. O que você acha?

quinta-feira, agosto 17, 2006

Introdução à Economia I

Percebi, repentinamente, que estava com sede. Aquela sede que dá na praia, salgada. Uma baita preguiça de andar até o quiosque para comprar um côco. No Rio não tem aquele nordestino que vem, montado em um jegue, vendendo côco e macaxeira, como tem em Aracaju (ou tinha, não sei). Quando minha língua começou a grudar no céu da boca, empreendi mais uma aventura de inesquecível e profundo aprendizado.

O cenário era de inflação alta, desequilíbrio fiscal, volatilidade cambial e alta do côco. Fiquei indignado ao me lembrar que não era verão, e acabei comprando uma cerveja. Não sei se alguém que estava ao meu lado percebeu meu descontentamento, ou se eu mesmo (óbvio que fui eu), em um lapso momentâneo de total imbecilidade e presunção, comentei:
- Até parece que esse côco acompanha o preço do dólar.
O Economista Chefe do quiosque respondeu, de cima de suas sandálias havaianas, de dentro de um camisão vermelho, sob a lâmina de um facão em queda livre, enquanto eu me arrependia:
- O côco não, mas a gasolina que transporta o côco acompanha.

Depois eu ainda conheci um catador de latas preocupado com o mercado de commodities.

quarta-feira, agosto 09, 2006

Anti-manifesto


Desconfio seriamente de qualquer coisa baseada em Manifesto, Movimento ou algo que o valha. O pensamento político mais elegante e consistente não combina com rostos suados, jugulares protuberantes, nem com idealismos fortuitos. A arte que fala às nossas almas não se cria através de um plano para revolucionar o status quo, sua revolução simplesmente acontece.

Jean-Jacques Rousseau (Suiça, 1712-1778) escreveu no início do Contrato Social: "Fosse eu príncipe ou legislador, não perderia meu tempo dizendo o que deve ser feito: ou o faria, ou me calaria."

"Impressão, Nascer do Sol", de Monet (França, 1840-1926), não foi feita para criar o Impressionismo. Simplesmente criou. Além de estar acima, a obra está no Musée Marmottan-Monet, Paris.

sexta-feira, agosto 04, 2006

Liberdade, ainda que tardia.

Discordo do trecho a seguir da "Proclama del Comandante en Jefe al pueblo de Cuba":

"No albergo la menor duda de que nuestro pueblo y nuestra Revolución lucharán hasta la última gota de sangre para defender estas y otras ideas y medidas que sean necesarias para salvaguardar este proceso histórico."