terça-feira, fevereiro 26, 2008

Deconcertación

Robert Dahl desenvolve a distinção entre o debate normativo e os regimes políticos reais adotando o termo democracia como um tipo ideal, um sistema político responsivo aos seus cidadãos, no qual todos podem formular, expressar e ter suas preferências consideradas na conduta do governo. Dahl denomina os sistemas políticos reais de poliarquias, que estarão tão próximos do ideal democrático quanto forem substancialmente popularizados e liberalizados, ou seja, a democracia seria um regime totalmente inclusivo, em termos de participação política, e totalmente aberto à contestação, em termos de oposição.

Nosso sistema representativo foi sofrendo mudanças ao longo da história que lhe conferiram um cariz inclusivo, tais como as eleições periódicas, a universalização do sufrágio, a realização de referendos e plebiscitos, assim como as iniciativas populares na elaboração de leis. Mas parece que temos problemas com oposição. É recorrente nas esquinas brasileiras aquela necessidade de acordo, uma vontade estranha de sermos unânimes em todas as decisões coletivas. Mas oposição é sinal de equilíbrio, fiscalização e até de progresso. Não foi à toa que Hamilton, Madison e Jay tomaram Montesquieu como “oráculo” para desenvolverem seus famosos mecanismos de checks and balances, presentes nos artigos federalistas e em quase todas as Constituições das nações ocidentais. Sem oposição para fiscalizar, estes mecanismos são apenas instituições inócuas.

Se a concertación chilena foi pela democracia, PSDB e PT estão negociando uma deconcertación. Mas o pior é ver a torcida da sociedade civil pela unanimidade.

sábado, fevereiro 09, 2008

Espelho do Mundo

Há muitas entrevistas interessantes no documentário "Janela da Alma", de João Jardim e Walter Carvalho. Oliver Sacks, Win Wenders, Antonio Cícero e José Saramago fazem reflexões interessantes, mas não passam da velha e universal alegoria da caverna. Achei engraçado, certa vez, alguém dizer que esta metáfora de Platão serve para qualquer coisa.

Acho que o depoimento que vai além, e chega a uma teoria do conhecimento mesmo, refletida em algo inteiramente pessoal, é o do poeta Manoel de Barros. Este é o trecho que mais gosto:

"O primitivo manda na minha alma. Não entra pelo olho. O olho vê, a
lembrança revê. O poeta transfigura o real e isso é o mais importante."

Há uma diferença muito grande entre citar filosofia e filosofar. Talvez ela esteja justamente na despreocupação do artista em filosofar. Não sei.